A gente corre. Para ganhar
Ou perder a vida? Resta cantar
aquele velho Roberto Carlos
Ou perder a vida? Resta cantar
aquele velho Roberto Carlos
São nove horas da manhã de segunda-feira. Estou sentado aqui na escrivaninha, mas hoje não tenho nada a dizer. Quase nada. Ou o que teria a dizer são coisas que só interessam a mim, não a quem lê. Então, hoje vocês vão ter paciência comigo. Hoje tem sessão queixa.
Andei fazendo contas: há 13 meses escrevo aqui, uma vez por semana. São pelo menos 52 semanas, pelo menos 52 crônicas como esta. Eu acho muito. É que nem sempre consigo escrever sem sofrer um pouco. Mesmo quando até me divirto, sempre é necessário remexer um pouco mais fundo, e remexer mais fundo cansa. Ando cansado. Porque não é muito simples escrever, não é assim: você senta, põe papel na máquina e escreve. Às vezes não vem nada. Outras, vem confusamente. Só depois de escrever três ou quatro laudas, aparece uma frase – e essa frase é a coisa, o resto não interessa.
Escrevo geralmente aos domingos, ou às segundas de manhã. Mas desde a quinta ou sexta-feira começo a sofrer vagamente. Nos últimos tempos tem sido mais grave. Porque ando muito – digamos – espantado com o mundo, daquele jeito que só dá vontade de olhar para ele (às vezes nem isso), sem nenhum comentário a fazer. Escrevo lento demais, preciso de tempo para pensar, reler, reescrever. Um domingo inteiro nem sempre basta. Há 13 meses não tenho domingos – aquele dia em que os outros vão ao cinema, namoram, visitam amigos. Os outros, não eu. Eu fico em casa, escrevendo. O mais complicado é que, para escrever, é preciso ver o mundo. Aos domingos ou nos outros dias. Ir ao cinema, namorar, visitar amigos – essas coisas. Não se arrancam palavras do nada: as palavras brotam de coisas e seres viventes. Há 52 semanas, vivo muito pouco. Porque além dessa crônica, fico no mínimo seis horas diárias dentro do jornal. E jornal – quem não sabia, fique sabendo – acaba com a cabeça (e o corpo) de qualquer um.
Escrevo geralmente aos domingos, ou às segundas de manhã. Mas desde a quinta ou sexta-feira começo a sofrer vagamente. Nos últimos tempos tem sido mais grave. Porque ando muito – digamos – espantado com o mundo, daquele jeito que só dá vontade de olhar para ele (às vezes nem isso), sem nenhum comentário a fazer. Escrevo lento demais, preciso de tempo para pensar, reler, reescrever. Um domingo inteiro nem sempre basta. Há 13 meses não tenho domingos – aquele dia em que os outros vão ao cinema, namoram, visitam amigos. Os outros, não eu. Eu fico em casa, escrevendo. O mais complicado é que, para escrever, é preciso ver o mundo. Aos domingos ou nos outros dias. Ir ao cinema, namorar, visitar amigos – essas coisas. Não se arrancam palavras do nada: as palavras brotam de coisas e seres viventes. Há 52 semanas, vivo muito pouco. Porque além dessa crônica, fico no mínimo seis horas diárias dentro do jornal. E jornal – quem não sabia, fique sabendo – acaba com a cabeça (e o corpo) de qualquer um.
Susan Sontag |
Essa escassez de tempo está clara agora, pouco mais de nove horas da manhã de segunda-feira, na desordem absoluta sobre a escrivaninha. Pilhas de cartas não respondidas, livros que só comecei a ler e não consigo terminar (uma Susan Sontag aqui, um Edmund Wilson ali), se olhar para o lado há também pilhas de discos não ouvidos (conseguisse alguns segundos para aquele U2, aquele Raul Seixas...) E a vida gritando nos cantos.
Os amigos se queixam: você não telefona, não aparece. Tem gente que pede release, reportagens, textos os mais diversos, apresentações para exposições, ler originais, e os que exigem coisas do tipo: você não vem ver minha peça? Como bom ascendente Libra, não sei dizer não. Digo sempre sim, depois não consigo cumprir. Cobram, cobram. Ultimamente, toda vez que o telefone toca, já sei: é alguém pedindo alguma coisa. Têm me pedido muito, ultimamente. E dado pouco. Normal: gente é assim mesmo.
Os amigos se queixam: você não telefona, não aparece. Tem gente que pede release, reportagens, textos os mais diversos, apresentações para exposições, ler originais, e os que exigem coisas do tipo: você não vem ver minha peça? Como bom ascendente Libra, não sei dizer não. Digo sempre sim, depois não consigo cumprir. Cobram, cobram. Ultimamente, toda vez que o telefone toca, já sei: é alguém pedindo alguma coisa. Têm me pedido muito, ultimamente. E dado pouco. Normal: gente é assim mesmo.
Roberto Carlos |
Parar como param os monges budistas. Parar e olhar. Só um minuto. Pronto: agora tenho que sair correndo outra vez para ganhar a vida. Ganhar ou perder? Eu sei a resposta. Mas posso cantar baixinho um velho Roberto Carlos, aquele assim: “Querem acabar comigo/ isso eu não vou deixar”. Juro que não.
OESP - Caderno 2 - 1987