Quintana: Irônico, irreverente |
“Um
dinossauro na floresta de vidro/ borboleta branca na cidade queimada”: assim o
poeta Nei Duclós definiu Mario Quintana, em Outubro. Com o desajeitamento de quem não conseguiu
adaptar-se aos grandes centros (“Onde está o nosso querido chão humano? Tudo é
tão desnatural”, queixa-se ele), de dinossauro Mario magicamente transforma-se
em borboleta ao fazer anotações como “...e essa tentação de roçar na face e
pele perfumada do pêssego, como se ele fosse uma pêssega...”
Mario no Majestic |
Aos
71 anos de idade, o poeta gaúcho, ao longo do tempo, se tem mantido fiel à
idéia de que “provinciano é sair da província” – embora com o prejuízo de ter
sua obra pouco ou mal conhecida a nível
nacional, por problemas de distribuição ou pela distância, voluntária, do eixo
Rio-São Paulo. Mas isso talvez pouco lhe importe, já que, na sua opinião “ir de
um lugar para outro é o mesmo que mudar de posição um velhop móvel no quarto de
sempre”. No quarto do velho Majestic, em Porto Alegre, onde se refugiou há
vários anos, há espaço suficiente para
as vacas e, eventualmente, os hipogrifos que povoam seu trabalho, e também para
as donas santinhas doceiras de antigamente, as ruas silenciosas que a cidade
perdeu, os filmes de vampiros de que se declara admirador, os encontros que
imagina, na calada da noite e das páginas adormecidas dos dicionários, entre
figuras como Napoleão e Nabucodonosor.
Irreverente
– Um mau humor quase sempre muitíssimo bem humorado percorre as anotações
poéticas que, há vários anos, ele vem publicando no suplemento literário do
Correio do Povo, com o título de Caderno H. Irônico, irreverente, não perdoa
monstros sagrados como Mark Twain (para ele, simplesmente “um grosso”), Anatole
France – ou os contos de Guy de Maupassant e O. Henry, que, “em vez de terem desenlace (...) tinham
era uma laçadinha, cuidadosamente feita, como nesses presentes de aniversário”.
Minicontos, poemas, contos, pequenas observações sobre fatos cotidianos, livros
e filmes (ele achou King-Kong “por demais parecido com a Rachel Welch: a mesma
boca quadrada, os olhos fundos, os gestos mecânicos”) – e, atrás de cada frase
ou verso, uma aversão à seriedade empostada, como à oratória “bramidora e
gesticulante”, que considera “uma forma literária de epilepsia”.
Marcado
a ferro – Individualista confesso, lírico deslavado, o dinossauro-borboleta se
opõe de início à massificação do indivíduo e à desumanização crescente do homem
na sociedade tecnológica: o primeiro texto de A Vaca e o Hipogrifo tem como
título o número de sua carteira de identidade, marcado a “ferro em brasa como
fazem os estanceiros com o seu gado...” Aos entrevistadores profissionais que
fazem cobranças sobre a função social da poesia, ele responde que “o velho Karl
Marx só escrevia poemas de amor...”
Diz
Ezra Pound, em um de seus ensaios, que os grandes escritores não precisam de
denúncias. Poeta maior, apesar do vazio desse lugar-comum nos seus mais de dez
livros publicados Mario Quintana conquistou o direito de ser exatamente como é:
profundamente poético. E, se deseja que seu trabalho seja um alívio, e não um
antídoto, para a tecnocracia atual, consegue isso plenamente. O próprio Mario é
o maior definidor de sua obra, quando diz que sua poesia pretende ser “como
quem se livra de vez em quando de um sapato apertado e passeia descalço sobre a
relva”
Veja, 14 dezembro, 1977
Cheguei à conclusão de que meu amor é dos escritores gaúchos...:)
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