O MOVIMENTO DO TEMPO
ambas se encontram no ponto vivo
Novo, antigo: não sei mais o que é isso. E andava pensando nessas coisas, quando de repente, como se fosse por acaso me cai nas mãos um artigo do Jornal do Brasil da última sexta-feira, escrito pelo Paulo César Coutinho, e exatamente sobre o mesmo assunto. (A propósito: foi das mãos do Paulo César, há 15 anos, que recebi aquele primeiro sonho dourado. De mãos melhores, impossível.)
Jovem, velho: não sei mais o que é isso. Gosto de música, por exemplo, e atualmente, no hit parade lá de casa, os dois primeiros colocados (empatados) são Me Chama de Lobão, com João Gilberto, e Luz Negra, de Nelson Cavaquinho, com Cazuza - entendeu? Cazuza, o "jovem" roqueiro (o melhor deles, e faço questão de repetir uma vez mais, na minha modestíssima opinião Cazuza é o que de melhora aconteceu à MPB depois de Caetano) cantando lindamente o velho Nelson Cavaquinho. E o "velho" João Gilberto cantando - mais lindamente difícil imaginar - o "jovem" Lobão. Jovem, velho, novo, antigo - deixam de ter qualquer significado quando ambos se encontram nesse ponto justo. O ponto vital, o ponto belo, o ponto vivo.
Em seu artigo falando da passagem (inevitável) do tempo, Paulo César diz: "Mas é possível fazer essa viagem escolhendo o presente como região ideal de moradia". Sim, lembrar do que passou é perfeitamente humano e natural, mas se você começa a querer que o tempo volte, e em consequência fechar-se para o presente, aí começa também a correr o risco de sentir errado, começa a cair fundo e sem volta no círculo da frustração. Porque o que passou, já rolou, não tem volta. Falo o óbvio, tão óbvio que nem todo mundo vê. Ou se recusa a ver - tão mais confortável manter-se hipoteticamente nesse plano estável onde nada muda - e é então que começa a envelhecer. Envelhecer do mal, envelhecer na treva, sem esperança nem paciência para o "novo". Que existe.
O velho também existe, sim, mas só quando se recusa a ver o novo, porque é se alimentando do novo que o velho consegue deter a sua esclerose. Como o novo: que precisa alimentar-se do "velho" para não eternamente com aquele gosto ácido de maçã verde. Repuxenta, dizia minha irmã Márcia quando era criança: o novo que se supõe o primeiro novo sobre a face da terra e ignora tudo o que veio antes, tem sempre esse sabor repuxento. Eu mesmo, fui muito repuxento.
E eu tinha tanto medo dos 40 anos - como aos 20, pânico dos 30, e eles chegaram, passaram, e eu resisti, e você e ele resistiram também, e vamos ultrapassar os 40, e quem sabe os 50, e depois os 60, e assim por diante. É que ninguém me/nos preparou para ir envelhecendo, somos educados para a eterna juventude - e na eterna juventude dos 20 anos, a velhice é uma coisa que só acontece aos outros. Apenas aos 30, na primeira volta de Saturno (cronos) é que vem a percepção de que o tempo existe.
O tempo existe, sim, e não congela - feito Plano Cruzado. Ou se você supõe que congela (sempre há formas artificiais, científicas ou neuróticas, de fingir que sim), corre o risco de ver tudo desabar de um dia para o outro. Mas dentro do movimento do tempo, e destes pequenos acidentes meio lamentáveis e totalmente inevitáveis que acontecem no nosso corpo, há qualquer coisa que resiste sempre, tão novinha e fresca como a pele de um bebê. As almas atentas nunca deixam de cheirar a talco - como a do Juvenal Pereira, por exemplo, que hoje (segunda) faz 40 anos. Ele está sentindo a maior firmeza. Eu também, colega. Agora é que vai começar a valorizar. Cada vez mais.
PS: Caio tinha 38 anos quando escreveu a crônica
Caderno 2 Estadão, Quarta-Feira 26 de novembro de 1986
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