terça-feira, 9 de abril de 2013

Ninguém canta como Olivia


                                      E ela não canta como ninguém. 
                                      Melodia Sentimental, um disco 
                                      que provoca arrepios de emoção

Você que tem bom gosto, está cansado de vulgaridade, atordoado pelo barulho, desgastado pela grosseria nossa de cada dia – pare um pouquinho. Tenho boas notícias, amigo, amiga. Passe numa loja de discos, compre Melodia Sentimental (Continental), um disco com a foto em preto e branco de uma moça linda na capa. Ela chama-se Olivia Byington, ela é muito especial. Vá para casa, desligue o telefone, não atenda a campainha, sente-se na sua poltrona preferida, sirva-se de uma bebida, acenda um cigarro (se não fumar nem beber, não é preciso: a voz dela é suficiente). Ponha o disco a tocar. E escute. Só isso. Relaxe, ouça.

Ninguém canta como Olivia Byington. Ela não canta como ninguém. No país talvez mais rico em cantoras no mundo (de Nana Caymmi a Vange Leonel, de Clementina de Jesus a Cida Moreyra, de Gal Costa a Eliete Negreiros, de Maria Bethânia a Vânia Bastos, de Nara Leão a Marina – com todos os degradées e as omissões injustas), essa menina Byington consegue a proeza de ser absolutamente ela: essa menina Olivia. De voz educadíssima, passando por um repertório de 11 músicas, tão aberto que consegue incluir do clássico Melodia Sentimental (de Villa-Lobos, letra de Dora Vasconcelos) aos vanguardistas arriguianas Carlos Sandroni/ Lu Medeiros (Secretária Eletrônica). Sem o menor solavanco. A voz cristal pura de Olivia passeia por Manuel Bandeira, Thiago de Mello (musicados por Edgar Duvivier), Fernando Pessoa, Vinicius, Geraldo Carneiro, Cacaso, Cartola, Gismonti, costurando essas disparidades com classe, delicadeza, autoridade e magia. Principalmente magia.

É música de câmara – como diz Mario de Aratanha no release. Dessas de ouvir para dentro, sozinho (a dois, no máximo), sem nenhuma interrupção capaz de quebrar o clima de encantamento criado por Olivia. Que grava desde 1978, com o surpreendente Corra o Risco, passou por um LP em Cuba (Identidad, produzido por Silvio Rodriguez), desenvolveu um trabalho com Paulo Moura, Clara Sverner, Turíbio Santos (Encontro, da Kuarup, em 84). Mas, com este Melodia Sentimental, Olivia chega à maturidade. E à humildade: ela mesma reconhece que este é como se fosse seu primeiro disco.

Não é. Seu talento incomum já teve momentos anteriores de brilho (basta lembrar Anjo Vadio, de 1978). Mas foi entre erros, pesquisas e procuras (e estudo) que ela conquistou o direito de regravar O Mundo é Um Moinho (de Cartola, com um arranjo apenas de sax de Duvivier) que torna opacas todas as gravações anteriores. Ou de chegar ao Villa-Lobos que dá título ao disco com uma pureza que dá arrepios de beleza. Voz de pássaro, brisa soprando em cortinas de seda, borboleta pousada em biscuit, renda, diamante lapidado. Acorda, urbano atormentada: vem ouvir Olivia que canta bela e branca no meio da noite escura deste país.

                       OESP – Caderno 2, 4 de junho de 1987


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