E ela não canta como ninguém.
Melodia
Sentimental, um disco
que provoca arrepios de emoção
Você que tem bom gosto, está cansado de
vulgaridade, atordoado pelo barulho, desgastado pela grosseria nossa de cada
dia – pare um pouquinho. Tenho boas notícias, amigo, amiga. Passe numa loja de
discos, compre Melodia Sentimental (Continental), um disco com a foto em preto
e branco de uma moça linda na capa. Ela chama-se Olivia Byington, ela é muito
especial. Vá para casa, desligue o telefone, não atenda a campainha, sente-se
na sua poltrona preferida, sirva-se de uma bebida, acenda um cigarro (se não
fumar nem beber, não é preciso: a voz dela é suficiente). Ponha o disco a
tocar. E escute. Só isso. Relaxe, ouça.
Ninguém canta como Olivia Byington. Ela não
canta como ninguém. No país talvez mais rico em cantoras no mundo (de Nana Caymmi
a Vange Leonel, de Clementina de Jesus a Cida Moreyra, de Gal Costa a Eliete
Negreiros, de Maria Bethânia a Vânia Bastos, de Nara Leão a Marina – com todos
os degradées e as omissões injustas), essa menina Byington consegue a proeza de
ser absolutamente ela: essa menina Olivia. De voz educadíssima, passando por um
repertório de 11 músicas, tão aberto que consegue incluir do clássico Melodia
Sentimental (de Villa-Lobos, letra de Dora Vasconcelos) aos vanguardistas arriguianas
Carlos Sandroni/ Lu Medeiros (Secretária Eletrônica). Sem o menor solavanco. A
voz cristal pura de Olivia passeia por Manuel Bandeira, Thiago de Mello
(musicados por Edgar Duvivier), Fernando Pessoa, Vinicius, Geraldo Carneiro,
Cacaso, Cartola, Gismonti, costurando essas disparidades com classe,
delicadeza, autoridade e magia. Principalmente magia.
É música de câmara – como diz Mario de
Aratanha no release. Dessas de ouvir para dentro, sozinho (a dois, no máximo),
sem nenhuma interrupção capaz de quebrar o clima de encantamento criado por
Olivia. Que grava desde 1978, com o surpreendente Corra o Risco, passou por um
LP em Cuba (Identidad, produzido por Silvio Rodriguez), desenvolveu um trabalho
com Paulo Moura, Clara Sverner, Turíbio Santos (Encontro, da Kuarup, em 84).
Mas, com este Melodia Sentimental, Olivia chega à maturidade. E à humildade:
ela mesma reconhece que este é como se fosse seu primeiro disco.
Não é. Seu talento incomum já teve momentos
anteriores de brilho (basta lembrar Anjo Vadio, de 1978). Mas foi entre erros,
pesquisas e procuras (e estudo) que ela conquistou o direito de regravar O
Mundo é Um Moinho (de Cartola, com um arranjo apenas de sax de Duvivier) que
torna opacas todas as gravações anteriores. Ou de chegar ao Villa-Lobos que dá
título ao disco com uma pureza que dá arrepios de beleza. Voz de pássaro, brisa
soprando em cortinas de seda, borboleta pousada em biscuit, renda, diamante
lapidado. Acorda, urbano atormentada: vem ouvir Olivia que canta bela e branca
no meio da noite escura deste país.
OESP – Caderno 2, 4 de junho de 1987
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