No fim dos anos 70, Caio
Fernando Abreu era redator da POP, “a primeira revista para jovens do Brasil” que
a Abril lançara em novembro de 1972. É bem nessa época que começa Para Sempre
Teu, Caio F., o livro que Paula Dip escreveu sobre ele. “Caio tinha muitos anos
de estrada: integrou a primeira equipe de jornalistas da revista Veja, tinha
vários livros publicados e premiados, havia morado na Europa. Ainda não
assinava Caio F. e escrevia os contos de Morangos Mofados”, escreve Paula. “cabelos
ralos, quase pretos, longos e escorridos, olhos indianos gigantescos, úmidos e
de pupilas boiando e que olhavam com tristeza os telhados trágicos da rua do
Curtume, na Lapa de baixo (nota: o endereço da redação)”, descreve no livro
Carlos Alberto Fernandes, que era diretor da Pop.
Era a fase final da revista
e Caio publicou ali algumas matérias com temas que o interessavam: ecologia,
sonhos, previsões. Abaixo, Caio F. se lança ao mundo do futuro, em texto
publicado há 35 anos, em setembro de 1978, o mês em que ele completou 30 anos.
As Fantásticas previsões estão se tornando realidade
Desde
Flash Gordon até Guerra nas Estrelas,
os autores de ficção científica tentam desvendar
o futuro da humanidade. Você vai ver agora como
alguns deles até já anteciparam a realidade.
os autores de ficção científica tentam desvendar
o futuro da humanidade. Você vai ver agora como
alguns deles até já anteciparam a realidade.
Você
certamente já ficou olhando para as estrelas, pensando na imensidão do céu e na
insignificância do ser humano, perdido num planeta pequenino. Talvez tenham lhe
ocorrido perguntas como “quem somos?”, “de onde viemos?”, “para onde vamos?” E
é provável que tenha conseguido, pelo menos em parte, responder às duas
primeiras. Neste “para onde vamos?” é que a ciência vacila e a imaginação se
solta: para um homem das cavernas, não seria incompreensível um simples
telefone, ou uma televisão? Será que dentro de um século os homens de 1978 não
parecerão tão primitivos como nossos antepassados das cavernas? Em assunto como
esse, a mente dos poetas parece ir mais longe que a dos cientistas: a razão
pura mistura-se com fantasia. E cada vez mais a ficção científica antecipa a
realidade do futuro.
Foi assim que o escritor Julio Verne em Da Terra à Lua, previu quase exatamente o voo da Apolo 8, em 1969, com coincidências espantosas. As primeiras edições do livro, de quase cem anos atrás, traziam como subtítulo “Trajeto Direto em 97 Horas”. Os astronautas americanos foram à Lua em 69 horas. Julio Verne fala também da necessidade de o foguete alcançar a velocidade de 11.000 metros por segundo: exatamente a velocidade da Apolo 8 para sair da órbita da Terra. Coincidências ou não, elas não param por aí. Verne imaginou também que três astronautas partiam de uma base em Tampa, na Flórida, a pouquíssima distância do verdadeiro Caba Canaveral de hoje. Havia algumas diferenças: no livro, o foguete era colocado em órbita por um gigantesco canhão, e os astronautas ficavam girando eternamente na órbita lunar. Os leitores ficaram furiosos com esse final, e Julio Verne teve que escrever uma continuação, Em Torno da Lua. E as coincidências prosseguem: a descrição das crateras é praticamente a mesma feita pelos astronautas reais, e o lugar que ele assinalou no oceano Pacífico para a descida da cápsula ficava a pouca distância do local onde os americanos realmente desceram.
Alex Raymond, o criador de Flash Gordon, foi outro grande profeta do futuro. Em 1934, suas histórias em quadrinhos já previam os cintos e sapatos antigravitacionais, os capacetes espaciais e – essa é incrível! – até a minissaia, que Mary Quant lançaria trinta anos depois. E além da moda, ele também desenhou com perfeição o trem-bala, que hoje faz o percurso Oska – Tóquio; os aparelhos de televisão; o lançamento vertical de foguetes (as torres que hoje existem na Rússia e nos Estados Unidos são idênticas aos seus desenhos). Até o raio laser, que ainda está sendo aperfeiçoado, já era arma comum nas aventuras de Flash Gordon. E tanta coisa mais que um dos boletins oficiais da NASA informou que a saída do astronauta da nave espacial foi solucionada porque os cientistas eram velhos leitores e colecionadores das histórias em quadrinhos de Flash Gordon.
Quando
Alex Raymond morreu, em 1956, num acidente, talvez tenha carregado consigo a
resposta a uma pergunta que poucas pessoas saberiam responder: como será o
futuro da humanidade?
Hoje,
é relativamente fácil para um cientista garantir que em 1980 o homem pisará em
outros planetas; que em 1990 será possível a inteligência artificial, ou que em
2020 a meteorologia e a hereditariedade poderão ser controladas. A diferença
entre essas previsões e as de Raymond é que, há mais de quarenta anos, não
existia base científica para isso. A investigação sobre o futuro sempre foi um
dos temas preferidos do cinema, desde que, em 1902, o francês Georges Méliès
filmou um ingênuo e mudo Viagem à Lua,
cheio de monstros. Os monstros dominaram os filmes de ficção científica até a
explosão da bomba atômica em Hiroxima, em 1945. As aranhas gigantescas e os
homenzinhos de mil braços deram lugar a outro tema: o perigo nuclear. Os filmes
da época pareciam um trecho do Mundo Libertado, de H. G. Wells, onde aparece “uma
Terra em que nada mais resta senão um luar escarlate e púrpúreo e um ruído
contínuo, avassalador”. Depois de uma pausa, nos anos 60 (quando foram feitas
duas obras-primas do gênero: Alphaville, de Godard, sobre uma cidade
robotizada, e Farenheit 451, de Truffaut, sobre proibição e queima de livros),
recentemente os filmes de FC voltaram a todo vapor. E o incrível sucesso de
Contatos Imediatos prova que a imaginação das pessoas anda solta no cosmo. Mas
as fantasias não são sempre otimistas. Para um divertido Guerra nas Estrelas ou
um poético Contatos Imediatos, existem terríveis previsões – como as de Fuga no
Século 23, Ano 2000: Corrida da Morte, Travessia Para o Futuro, Onde Ninguém
Tem Alma, No Mundo de 2020, Rollerball ou O Planeta dos Macacos.
Segundo
os críticos, há três características comuns nesse tipo de filme. Primeiro: o
país do futuro é um país acabado – a guerra acabou, a poluição acabou, a
poluição acabou, a luta social acabou. A sociedade atingiu o bem-estar
absoluto, tudo é dividido igualmente entre todos. Segundo: a distância entre os
homens e os centros de programação e controle é cada vez maior. O computador é
o centro da sociedade, e em voltam dele pessoas especiais cuidam da
fiscalização e segurança. Terceiro: as pessoas comuns são treinadas como
máquinas, agem sob o controle de drogas de um cérebro eletrônico ou dos meios
de comunicação. Todos esses filmes partiram do maior clássico do gênero:
Metrópole, do alemão Fritz Lang, de 1927. A cidade futura imaginada por ele se
divide em dois níveis. Na superfície há jardins, torres de aço e vidro,
viadutos, carros e naves para uso exclusivo de “pessoas especiais”. No
subterrâneo, em cavernas escuras e cheias de máquinas, vivem os operários:
seres mecanizados, vigiados por máquinas, robôs e câmeras de TV.
Em
muitos filmes, a natureza já não mais existe, o mundo está superlotado, as
cidades protegidas por redomas e o ar insuportavelmente poluído. Em No Mundo de
2020, um dos mais assustadores, máquinas enormes apanham pessoas para
triturá-las e transformá-las em tabletes verdes que alimentam o resto da
população. E os rios, as flores, os animais, as árvores – tudo morreu. Imaginação?
Nem tanto, se pensarmos nos problemas reais deste nosso planeta em pleno 1978.
Diz
Steven Spielberg, diretor de Contatos Imediatos do Terceiro Grau: “O que vale
agora é a impressão do que poderá ser, e não mais do que poderia”. Por isso,
informações do filme basearam-se em documentos verdadeiros da NASA, sobre
discos voadores. Não são “fantasias”, mas possibilidades bem próximas do real.
Quando
se volta para o futuro, a literatura não é muito diferente do cinema. Pelo
menos é o que se pode julgar a partir de dois grandes romances, clássicos do
gênero: 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (outro
incrível profeta). No primeiro, um mundo onde todos são observados por enormes
tele-telas e obrigados a trabalhar para “refazer o passado”, corrigindo e
modificando sem parar notícias que possam abalar a impressão do povo de que
está “tudo bem”. No Admirável Mundo Novo, Huxley previu um fato que agora
começa a tornar-se possível: os bebês criados artificialmente em laboratórios. Numa “sociedade perfeita”,
as pessoas são fabricadas em categorias: desde o Alfa-Mais (a raça superior),
até os Ipsilones, verdadeiros escravos sem nenhuma consciência. Mas todos são
calmos e felizes: uma droga distribuída nos fins de semana – o soma – mantém o
povo contente. Ou iludido.
Mas
existem outros livros interessantes, divertidos ou assustadores. Desde Kurt
Vonnegut Jr. – o autor preferido dos universitários norte-americanos -, até o
poético Ray Bradbury, que já teve filmadas algumas de suas histórias (como
Farenheit 451 e Uma Sombra Passou Por Aqui). E outros, como Isaac Asimov,
Clifford Simack, Anthony Burgess (o autor de Laranja Mecânica) ou Walter M.
Miller, do bonito Um Cântico Para Leibowitz. Em todos eles, a preocupação com
aquela terceira pergunta: para onde vamos, afinal?
As
respostas nem sempre são positivas: as centrais nucleares podem permitir até
mesmo o controle do clima, mas também podem causar acidentes fatais a milhões
de pessoas. As viagens espaciais trazem o problema do lixo cósmico. O
desenvolvimento industrial provoca a poluição dos rios e do ar. O progresso
parece ter duas faces opostas: uma cheia de promessas maravilhosas, como o
conhecimento de outros planetas e o aperfeiçoamento da raça humana. Outra,
terrível, que pode provocar a destruição de todo o planeta e de toda a
humanidade.
Há
mais de cem anos, Julio Verne parecia saber disso quando escreveu no seu
primeiro romance: “De tanto inventar máquinas, os homens acabarão sendo
devorados por elas! Sempre imaginei que o último dia seria aquele em que alguma
imensa caldeira, aquecida a três bilhões de atmosferas, fará explodir o nosso
pobre planeta”.
Seria
bom que ele estivesse enganado desta vez. Como seria bom, também, que no ano
2000 pudessemos ainda repetir as mesmas palavras que Yuri Gagarin disse em
1961, ao ver nosso planeta do espaço: “A terra é azul”. Seria bem mais fácil
manter vivo o azul se cada um tivesse consciência que o hoje começou a ser
construído ontem. Assim como o amanhã já está sendo construído neste exato
momento do dia de hoje.
Revista Pop, setembro de 1978
Revista Pop, setembro de 1978
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