Depois de 12 anos, o grupo
Luni fez show no sábado passado no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Aqui, de
volta a 1987, quando a banda tinha um ano de carreira e Caio F. decreta,
definitivo,é “a melhor banda da cidade".
Oito pessoas lindas, com um
som irresistível: é o Luni,
a melhor banda da cidade
som irresistível: é o Luni,
a melhor banda da cidade
Assumi, definitivo. Venci
minha monolítica timidez: sou tiete do grupo Luni. Aquele que está em todos os
shows, na primeira fila, grita bis, grita bravô! (com acento francês, em
homenagem aos dois saxofonistas), dança, sua, aplaude em pé, depois vai aos
camarins dar beijinhos arfantes de prazer. Cada nova vez, confirmo: o Luni é o
melhor grupo da cidade, do estado, do País. Calma, Caio F., vamos por partes.
No último sábado, a lua
cheia, e naquele lugar cada vez melhor que é o Espaço Mambembe, o show do Luni
deixou claro que todo este deslumbramento é mais que justificado. Por exemplo:
o Luni, graças a Deus, não é (mais) um grupo de rock. A gatíssima expressão
pós-tudo nunca se encaixou tão bem quanto aqui. O Luni incorpora blues, ritmos
afros, caribenhos, new-age, samba e tudo mais que você lembrar, passa por
dentro e por cima das influências para desembocar num trabalho que, por lembrar
tudo, não lembra nada parecido. São originalíssimos e cheios de clichês
sarcásticos, bem humorados.
Não, o Luni não gravou nem
tem gravadora. Sem citar nomes, um dos integrantes contou que um famoso
produtor disse que o som deles era “eclético demais”. Pode? Outro argumentou
que tinha medo que o Luni virasse uma Cult-band. Sem sacar que o Luni já é uma Cult-band
– ou seja, uma banda para os adoradores dispostos a perseguí-los pelo circuito
alternativo da cidade (Off, Satã, Mambembe, o bem-vindo Bodega Bay). Eles não
aparecem na Globo, não estão programados para Canecão nem à venda na Hi-Fi. Porque
este país é burro, mas isso é outra história.
O Luni não tem estrelas, é
uma banda comunitária, aquariana. Eles são oito: os franceses Giles Eduard e
Lloyd Bonne Maison (que, acreditem, nasceu em Java, viveu na Etiópia e estudou
em Berkeley, o artista plástico Theo Werneck (capaz de receber James Brown ou
Louis Armstrong, em vocalizes arrepiantes de soul e negritude), a guitarrista
Lelena, o trio-fundador Fernando, André e Natália, a bela (que faz parte do
grupo de bonecos XPTO, também o melhor da cidade) -, mais uma special guest
star, a mulher maravilha Marisa Orth (quem a viu atuando em Criança Enterrada,
de Sam Shepard, ou Prepare Seus Pés Para o Verão, de Marta Góes, sabe do que
ela é capaz. Se Marisona, a deusa, enlouquece a plateia cantando A Melhor (“eu
sou a melhor/ eu sempre fui a melhor”) ou gemendo versos de Boris Vian na pele
de uma francesa sadomasô (“me machuca, Johnny, me leva pro céu/ eu gosto de
amor que dói”), de repente pode dividir um backing com Natália e tocar
modestamente sua maracá, enquanto chega a voz de Fernando ou Theo ou qualquer
outro brilhar. E como brilham!
O Luni é elegante sem ser
afetado, culto sem ser pedante, engraçado sem ser bobo, bonito sem ser vaidoso,
ensaiado à perfeição sem ser mecânico, chique sem ser esnobe, brega sem ser
cafona. E principalmente música, naturalmente música. Porque é um som que você
pode dançar, o ritmo é irresistível, cantar (seja em iorubá, espanhol,
português, inglês, francês) (Pour Quoi, Monsieur? é uma miniobra prima) e
também ver: eles são teatrais, performáticos. Marinheiros, prostitutas,
mariachis, astronautas, brazilianistas, robôs, crianças: fazem número. Passam
alegria (que raro), saúde (oba!), vontade de viver (wow!). Quer maior luxo?
Por tudo isso repito: o Luni
é o melhor grupo da cidade, do estado, do País. Dou o toque às WEA, Polyrgrams,
CBSs, RCAs da vida: ô, gravadoras, cêis tão de bobeira, gente! Por falar nisso,
prestem atenção também em Os Mulheres Negras e no Nouvelle Cuisine: depois
disso, quem disser que a música brasileira tá em crise, eu grito. Como vou
gritar neste fim de semana, no Circo Voador, quando o Luni, as Harpias, Marcelo
Mansfield, o Mazzipan, e outras gentes vão mostrar aos cariocas o que é que São
Paulo tem. Muito além de Jânio ou Quércia, tenho dito.
OESP, Caderno 2, 15 julho
1987
Aqui, Johnny, que Caio F. cita na crônica. Vídeo de Ruth Slinger, extraído de especial do Luni, realizado para tv manchete, no Rio de Janeiro
Aqui, Johnny, que Caio F. cita na crônica. Vídeo de Ruth Slinger, extraído de especial do Luni, realizado para tv manchete, no Rio de Janeiro
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