domingo, 9 de novembro de 2014

Me leva pro céu, Luni!

Depois de 12 anos, o grupo Luni fez show no sábado passado no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Aqui, de volta a 1987, quando a banda tinha um ano de carreira e Caio F. decreta, definitivo,é “a melhor banda da cidade".


                                         Oito pessoas lindas, com um
                                         som irresistível: é o Luni,
                                         a melhor banda da cidade

Assumi, definitivo. Venci minha monolítica timidez: sou tiete do grupo Luni. Aquele que está em todos os shows, na primeira fila, grita bis, grita bravô! (com acento francês, em homenagem aos dois saxofonistas), dança, sua, aplaude em pé, depois vai aos camarins dar beijinhos arfantes de prazer. Cada nova vez, confirmo: o Luni é o melhor grupo da cidade, do estado, do País. Calma, Caio F., vamos por partes.

No último sábado, a lua cheia, e naquele lugar cada vez melhor que é o Espaço Mambembe, o show do Luni deixou claro que todo este deslumbramento é mais que justificado. Por exemplo: o Luni, graças a Deus, não é (mais) um grupo de rock. A gatíssima expressão pós-tudo nunca se encaixou tão bem quanto aqui. O Luni incorpora blues, ritmos afros, caribenhos, new-age, samba e tudo mais que você lembrar, passa por dentro e por cima das influências para desembocar num trabalho que, por lembrar tudo, não lembra nada parecido. São originalíssimos e cheios de clichês sarcásticos, bem humorados.

Não, o Luni não gravou nem tem gravadora. Sem citar nomes, um dos integrantes contou que um famoso produtor disse que o som deles era “eclético demais”. Pode? Outro argumentou que tinha medo que o Luni virasse uma Cult-band. Sem sacar que o Luni já é uma Cult-band – ou seja, uma banda para os adoradores dispostos a perseguí-los pelo circuito alternativo da cidade (Off, Satã, Mambembe, o bem-vindo Bodega Bay). Eles não aparecem na Globo, não estão programados para Canecão nem à venda na Hi-Fi. Porque este país é burro, mas isso é outra história.

O Luni não tem estrelas, é uma banda comunitária, aquariana. Eles são oito: os franceses Giles Eduard e Lloyd Bonne Maison (que, acreditem, nasceu em Java, viveu na Etiópia e estudou em Berkeley, o artista plástico Theo Werneck (capaz de receber James Brown ou Louis Armstrong, em vocalizes arrepiantes de soul e negritude), a guitarrista Lelena, o trio-fundador Fernando, André e Natália, a bela (que faz parte do grupo de bonecos XPTO, também o melhor da cidade) -, mais uma special guest star, a mulher maravilha Marisa Orth (quem a viu atuando em Criança Enterrada, de Sam Shepard, ou Prepare Seus Pés Para o Verão, de Marta Góes, sabe do que ela é capaz. Se Marisona, a deusa, enlouquece a plateia cantando A Melhor (“eu sou a melhor/ eu sempre fui a melhor”) ou gemendo versos de Boris Vian na pele de uma francesa sadomasô (“me machuca, Johnny, me leva pro céu/ eu gosto de amor que dói”), de repente pode dividir um backing com Natália e tocar modestamente sua maracá, enquanto chega a voz de Fernando ou Theo ou qualquer outro brilhar. E como brilham!

O Luni é elegante sem ser afetado, culto sem ser pedante, engraçado sem ser bobo, bonito sem ser vaidoso, ensaiado à perfeição sem ser mecânico, chique sem ser esnobe, brega sem ser cafona. E principalmente música, naturalmente música. Porque é um som que você pode dançar, o ritmo é irresistível, cantar (seja em iorubá, espanhol, português, inglês, francês) (Pour Quoi, Monsieur? é uma miniobra prima) e também ver: eles são teatrais, performáticos. Marinheiros, prostitutas, mariachis, astronautas, brazilianistas, robôs, crianças: fazem número. Passam alegria (que raro), saúde (oba!), vontade de viver (wow!). Quer maior luxo?

Por tudo isso repito: o Luni é o melhor grupo da cidade, do estado, do País. Dou o toque às WEA, Polyrgrams, CBSs, RCAs da vida: ô, gravadoras, cêis tão de bobeira, gente! Por falar nisso, prestem atenção também em Os Mulheres Negras e no Nouvelle Cuisine: depois disso, quem disser que a música brasileira tá em crise, eu grito. Como vou gritar neste fim de semana, no Circo Voador, quando o Luni, as Harpias, Marcelo Mansfield, o Mazzipan, e outras gentes vão mostrar aos cariocas o que é que São Paulo tem. Muito além de Jânio ou Quércia, tenho dito.

                                             OESP, Caderno 2, 15 julho 1987

Aqui, Johnny, que Caio F. cita na crônica. Vídeo de Ruth Slinger, extraído de especial do Luni, realizado para tv manchete, no Rio de Janeiro


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