terça-feira, 14 de outubro de 2014

Oração à paranoia


                                                          Oração à paranoia

Glória a ti, Paranoia nossa de cada dia!

Teu nome é sonoro e poderoso como o de uma deusa. Deusa do medo irracional, persecutório, megalômano, incapaz de decifrar o limite entre a suspeita gelada e esse muro áspero que chamamos de “real”. Deusa paranóia, senhora dos esquizofrênicos, rainha soberana destes tempos de névoa e de nojo, destes tempos de trevas e de vírus, destes tempos de fuga e suicídios. Deusa necessária para localizar a lâmina do punhal escondido no bolso do que se diz amigo, só tu és capaz de desmascarar a dança assassina por trás de cada gesto de carinho falso. Deusa solitária acuada feito bicho no covil mais imundo do teu cérebro, deusa doentia, fugitiva da luz, temerosa do bem, deusa vampira de todos os terrores, geradora de enganos salvadores.

Oh rainha suprema!

Ama nossa solidão e nosso medo com dentes de metal para que possamos lutar sem esperança contra a matilha faminta de lobos que nos cercam ontem, hoje, amanhã e sempre.

Ave, Paranoia!

Nós, que ainda não morremos, te saudamos. E arrojados a teus pés, em coro uníssono suplicamos: Ave, Ave Paranoia nossa de cada dia! Não nos abandones, até que a morte nos destrua, amém.

                                                       Nicolau nº 27, 1989

 
Fragmento do filme Romance, de Sérgio Bianchi. Texto dito pelo personagem Antonio César, interpretado por Rodrigo Santiago (foto ao lado)  e não aproveitado na montagem final.

Caio F. foi um dos roteiristas de Romance, lançando nos cinemas em 1988 e disponível em DVD

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