Meus
amigos darks vão detestar: nada mais clean que Chico e Caetano. Ninguém
agride ninguém, ninguém cospe em ninguém, ninguém bate em ninguém. Ninguém fala
palavrão. Quer dizer, fala-se muito merda, verdade. Mas com aquele espírito da
coisa que o Coriolano não pegou: gíria teatral para desejar
boa-sorte-acé-tudo-de-bom-sucesso-felicidade – esses lances altíssimo alto
astral. Darkmente fora de moda.
Confesso
que temi: seria uma fusão daquela bagunça esquerdizóide de O Fino da Bossa com a pétrea algidez do Globo de Ouro? Com sorte, pitadas de Divino, Maravilhoso e, muito azar, aqueles climas Brian de Palma de
festival. Ledo e nagle engano: tudo simplezinho, coisa de comadre mesmo. De
saída, cantam Cotidiano e Você Não Entende Nada. Picadinhas
maliciosas, meneios de ombros, ondular de quadris. Surpresa: Chico, todo de
branco, mudou muito. Está mais soltinho que Caetano, gente!
Luz
linda. Palco limpinho, reflexos vezenquando verdes, vezenquando azuis ao fundo.
Corta para a plateia – mais seleta? Impossível – caras rápidas. Todas as
enfermeiras: Elizeth Cardoso e Paulo Ricardo do RPM, Beth Carvalho e Nelsinho
Motta, Scarlet Moon e Guilherme Araújo. Não necessariamente lado a lado,
lógico. Caetano canta Milagre do Povo,
aquela da minissérie Tenda dos Milagres: mamãe Oxum encosta – ora yê yê ô –, e
tornará a encostar antes da entrada naturalmente triunfal de Bethânia. Até lá,
paciência, é preciso sobreviver a Luis Caldas, aquele moço do Fricote. Sem querer, juro, lembro das nigrinhas
que Odavlas Petti falou e Bivar imortalizou... Se Elza Soares é a nossa Tina
Turner, Luis Caldas sem dúvida é o nosso Prince! Com a vantagem de usar brincos
muito, mas muito maiores mesmo.
Chega
o melhor: Rita Lee e I Like You Very Much, sucesso de Carmem Miranda, vestida
de Alice no País das Maravilhas, mascando chicletes, lacinho na cabeça e tudo.
Você não vai acreditar, mas ela está a cara do Patricio Bisso. Melhor que
nunca. Mas Oxum torna a possuir Caetano. Ele saúda Mãe Menininha, o que significa:
Bethânia vem aí. Pulseira, pulseira, pulseiras. E pulseiras. Faz tudo que tem
direito: joga a cabeça para trás, levanta o braço esquerdo com o microfone,
junto à boca, enquanto lança no ar o braço direito, pesado de... pulseiras.
Quem tem menos de 35 anos vai querer dar tiro. Então pinta o número forte. Rita
volta, de calças, e com Bethânia, felinamente jogadas ao chão, fazem um número
de sapateado implícito. A plateia ergue-se em ímpeto incontido.
Vou
ficando cada vez mais feliz e mais fútil, até o grand-finale. Todos juntos,
cantando Merda, a plenos pulmões. A última imagem que guardo é a cara linda de
Sônia Braga na plateia, deliciada, fazendo coro: “Merda para você, desejo merda
/ merda para você também / Diga merda e tudo bem / Merda toda noite, sempre,
amém”. Pra mim, pra você também. Pena que você não vai poder ver. Mas deixa
estar, Jesuzinho castiga. Ou tarda, mas não falha. Próxima sexta, tem Part II.
Se aquelas najas censórias deixarem...
OESP,
Caderno 2, sexta-feira, 25 de abril de 1986
E no vídeo abaixo... "Então pinta o número forte. Rita volta, de calças, e com Bethânia, felinamente jogadas ao chão, fazem um número de sapateado implícito. A plateia ergue-se em ímpeto incontido"
\o/
ResponderExcluir