segunda-feira, 29 de julho de 2013

Livro das sobras


Um horror: Pedro, o Grande, mandou decapitar o amante de sua mulher, colocou a cabeça numa jarra com álcool e obrigou-a a conservar o macabro troféu no quarto de dormir. Uma maravilha: o corpo humano é formado por cerca de 60 bilhões de células, cada uma delas com 10.000 vezes mais moléculas que o número de estrelas da via-láctea.

Com 3.000 informações desse tipo, o escritor de ficção científica Isaac Asimov recheia as alentadas e deliciosas páginas deste Livro dos Fatos. Abandonando as histórias imaginárias para seguir uma observação de Ivan Pavlov (“Conheça, compare, colete os fatos”), ele e mais dezesseis colaboradores selecionaram dezenas de milhares de fatos curiosos, classificando-os em mais de setenta assuntos diferentes, de História, Matemática, Literatura, Astronomia e Física, Política, Teatro. Assim, em Desumanidades do Homem, pode-se recolher um dado amargo: nos dois últimos séculos tem sido exterminada a média de uma espécie animal por ano.
O enterro de Mozart

Informativo, mas também divertido, é um livro sob medida para apreciadores daquele tipo de seção Você Sabia Que?, de almanaques ou jornais provincianos. Ou para curiosos em geral (e quem não é?), capazes de interessar-se tanto por inutilidades como o número de arrebites da torre Eiffel (2,5 milhões), como por melancolias sobre o enterro de Mozart: apenas uma pessoa acompanhou o caixão, jogado na vala comum. Alguém se importa com o costume do povo tinguiano, das Filipinas, de beijar encostando os lábios na face da outra pessoa, inspirando rapidamente?

A carta de Marx
Mais saborosas que os dados meramente estatísticos, são certas revelações sobre excentricidades no comportamento de monstros sagrados da cultura ocidental. Uma delas: o austero dr. Sigmund Freud viajava sempre acompanhado, pois era inteiramente incapaz de conseguir ler o horário dos trens. Outras, mais chocantes: D. H. Lawrence, autor do escandaloso O Amante de Lady Chaterley, tinha a irrefreável mania de subir em amoreiras, completamente nu, enquanto Mata Hari encomendou um vestido especial para o dia de seu fuzilamento. Entre as demências, como o lema de Henry Ford, em 1921 – “a vaca deve ser eliminada” –, disposto a implantar nos Estados Unidos exclusivamente leite sintético, e a estranheza de uma carta de Marx (Karl, não Groucho) a Engels (“Não confio em nenhum russo. Sempre que um russo consegue insinuar-se, abrem-se as portas do inferno”). Asimov vai semeando informações talvez dispensáveis mas nem por isso menos gostosas. O resultado final é uma exuberante colagem de surpresas.

Rimbaud: caixeiro viajante
Às vezes, ele perde a originalidade ao incluir fatos excessivamente conhecidos – a surdez de Beethoven, ou a ruptura de Rimbaud com a vida literária, aos 19 anos, para ser caixeiro viajante. Mas logo recupera-se, ao contar que a mulher que mais vezes saiu na capa da revista Time (dez vezes) foi... a Virgem Maria. A inesperada decepção das relativamente poucas informações sobre o universo (apenas quatro páginas) é compensada, por exemplo, pela abundância de tópicos sobre Medicina. O preço de tudo isso é um tanto salgado, mas os curiosos certamente darão um jeito. Depois, poderão deliciar-se lendo esses fatos numa repousante cadeira de balanço – que, a propósito, foi inventada por Benjamin Franklin...


                        Veja, 22 de julho, 1981 (Caio F. tinha 32 anos)

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