Dei uma passada no Centro
Convenções Rebouças, na segunda à tarde, para assistir ao debate sobre
literatura feminina na Bienal Nestlé. O tema me interessa. Não que ache que
literatura tem sexo. Mas, se penso em literatura brasileira contemporânea me
vêm nomes – por coincidência femininos – da maior importância: Hilda Hilst, Lya
Luft, Márcia Denser, Helena Jobim, Adélia Prado, Tânia Faillace, Ieda Inda, Sônia
Coutinho, Marly de Oliveira ou, na área de ensaio ou crítica, Heloisa Buarque
de Holanda e essa ótima Flora Sussekind. Não deixaria de lado também poetas
como Orides Fontella, Ana Cristina César, Ledusha e Bruna Lombardi.
Bem: elas não estavam lá.
Ana C., a mais contundente e contemporânea voz poética surgida neste país,
porque suicidou-se há mais de dois anos. Lya Luft não veio. E transgressoras
diabas como Márcia Denser e Lya Luft jamais seriam convidadas para um chá desse
teor. Bruna é linda demais: ninguém admite que beleza possa ter talento. Restou
Sônia Coutinho, dando seu depoimento despojado, sem a menor intenção de ser ou
parecer enviada dos deuses.
Bella Jozef, com toda
dignidade, comandou como pôde depoimentos e debates onde pouco ou nada de
estimulante foi dito. E ficou no ar uma ideia estranha: que literatura
feminina, de repente, possa ser a orgia de lugares comuns pseudoliterários de
uma Myriam Fraga ou de uma Stella Leonardos. De que literatura seja
deliquescência e harpejos, vontade que os pobres mortais cultivem as flores do
espírito para que o planeta possa finalmente transformar-se num mar de água de
rosas. Ou de leite Davene. Quem seria capaz de imaginar, ali, que em literatura
feminina brasileira cabem também a loucura de Maura Lopes Cançado ou Luciane
Samôr – uma no hospício, outra esquecida em Minas?
Fazia frio. Fui embora
deprimido. Fiz um chá, deitei às nove da noite. Fiquei deitado, lendo e relendo
os últimos versos escritos por Ana Cristina César. Estes: “Não querida, não é
preciso correr assim do que vivemos.O espaço arde. O perigo de viver”. Não é,
senhoras?
O
Estado de SP, Caderno 2, Quarta-feira, 9 de Julho de 1986
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