segunda-feira, 13 de agosto de 2012

As Pedras rolam


Há algo falso nessa divisão arbitrária e cheia de clichês – anos 40, anos noir; anos 50, anos roqueiros, topetes levantados, ginga nos quadris; anos 60, ó que delícia de década!; anos 70, a década-do-eu; e por aí vai. Tudo muito didático, muito pedagógico. Como na escola, dividir a literatura em prateleiras, tipo simbolista, romântica, naturalista. A vida e a história não têm subdivisões. Ou passam a ter, mas para efeito posterior de educação. E fatalmente: diluição, manipulação.


Este Anos 60, de Luiz Carlos Maciel (L&PM, 120 páginas), infelizmente não foge do equívoco. Escrito talvez pelo melhor perito do assunto no Brasil (afinal, foi ele quem lançou os tais anos 60 como ideologia, na coluna Underground, de O Pasquim), o livro se perde quase completamente naquele tipo de lamentação linha “como era gostosa a minha saia larga” ou “que saudades do meu tamancão”. Para leitores menos maldosos, explique-se: em geral, tudo não passa de uma lamuriosa choradeira sobre como era legal viajar de ácido, como os estudantes & intelectuais eram mais engajados, como a guitarra de Jimi Hendrix era estonteante, como a montagem de Roda Viva incomodou o público etc. & etc.  

Para Maciel, os anos 80 são os anos da monumental rebordosa – e só. Serão? Até quem sabe. No seu excelente artigo sobe Aids, lucidamente, ele assinala que a solução não é usar camisinha, mas “denunciar a culpa mórbida e tentar (...) libertar o ser humano de seus fantasmas”. Como no artigo de LSD, informa razoavelmente sobre o psicodelismo. (Mas informa para quem lê, não para quem viveu e viajou.) Situa, com certa precisão, algumas tendências de uma época que – todos sentimos muito – infelizmente passou. Maciel se dá mal, por exemplo, ao analisar o rock contemporâneo, e ao tomar Jimi Hendrix como fim de um tipo de música, que continua a crescer (ele parece nunca ter ouvido falar de Laurie Anderson, para ficarmos só nesse nome) e a fluir. Como a vida e as pessoas dentro dela, dentro e ao mesmo tempo fora de um processo histórico, que, no final das contas, ainda não pode ser analisado (e limitado), simplesmente porque não parou de rolar. É mutável, dinâmico. Surpreendente. 

Tentar aprisionar a realidade em conclusões de carpideira de um tempo que se foi é coisa perigosa. O bar da esquina está cheio de gente interessante que nunca ouviu falar em Janis Joplin. E se, como no pequeno (e belo) poema disfarçado no meio de uma prosa chata sobre o machista e careta O Pasquim, o próprio Maciel diz “O sol cai; é mais um dia que se vai, que se esvai, em nada, nada mais”, isso é sinal de que o tempo andou. A vida também acontece agora, plenos anos 80, com os punks ali na esquina ou dentro de você. A nave-mãe não vai descer, e o indivíduo não desapareceu. Prestar atenção no novo é não entrar para o PMDB.

                  OESP – Caderno 2, 19 de julho de 1987

Um comentário:

  1. olá! sou repórter do jornal do commercio, do recife, e gostaria de falar com você sobre uma matéria de caio fernando abreu :)
    como posso te contactar? tem algum telefone? meu e-mail é rcontente@gmail.com
    abraço!

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