Há algo falso nessa divisão arbitrária e
cheia de clichês – anos 40, anos noir; anos 50, anos roqueiros, topetes
levantados, ginga nos quadris; anos 60, ó que delícia de década!; anos 70, a
década-do-eu; e por aí vai. Tudo muito didático, muito pedagógico. Como na
escola, dividir a literatura em prateleiras, tipo simbolista, romântica,
naturalista. A vida e a história não têm subdivisões. Ou passam a ter, mas para
efeito posterior de educação. E fatalmente: diluição, manipulação.
Este Anos 60, de Luiz Carlos Maciel
(L&PM, 120 páginas), infelizmente não foge do equívoco. Escrito talvez pelo
melhor perito do assunto no Brasil (afinal, foi ele quem lançou os tais anos 60
como ideologia, na coluna Underground, de O Pasquim), o livro se perde quase
completamente naquele tipo de lamentação linha “como era gostosa a minha saia
larga” ou “que saudades do meu tamancão”. Para leitores menos maldosos, explique-se:
em geral, tudo não passa de uma lamuriosa choradeira sobre como era legal
viajar de ácido, como os estudantes & intelectuais eram mais engajados,
como a guitarra de Jimi Hendrix era estonteante, como a montagem de Roda Viva
incomodou o público etc. & etc.
Para
Maciel, os anos 80 são os anos da monumental rebordosa – e só. Serão? Até quem
sabe. No seu excelente artigo sobe Aids, lucidamente, ele assinala que a
solução não é usar camisinha, mas “denunciar a culpa mórbida e tentar (...)
libertar o ser humano de seus fantasmas”. Como no artigo de LSD, informa
razoavelmente sobre o psicodelismo. (Mas informa para quem lê, não para quem viveu
e viajou.) Situa, com certa precisão, algumas tendências de uma época que –
todos sentimos muito – infelizmente passou. Maciel se dá mal, por exemplo, ao
analisar o rock contemporâneo, e ao tomar Jimi Hendrix como fim de um tipo de
música, que continua a crescer (ele parece nunca ter ouvido falar de Laurie
Anderson, para ficarmos só nesse nome) e a fluir. Como a vida e as pessoas
dentro dela, dentro e ao mesmo tempo fora de um processo histórico, que, no
final das contas, ainda não pode ser analisado (e limitado), simplesmente
porque não parou de rolar. É mutável, dinâmico. Surpreendente.
Tentar
aprisionar a realidade em conclusões de carpideira de um tempo que se foi é
coisa perigosa. O bar da esquina está cheio de gente interessante que nunca
ouviu falar em Janis Joplin. E se, como no pequeno (e belo) poema disfarçado no
meio de uma prosa chata sobre o machista e careta O Pasquim, o próprio Maciel
diz “O sol cai; é mais um dia que se vai, que se esvai, em nada, nada mais”,
isso é sinal de que o tempo andou. A vida também acontece agora, plenos anos
80, com os punks ali na esquina ou dentro de você. A nave-mãe não vai descer, e
o indivíduo não desapareceu. Prestar atenção no novo é não entrar para o PMDB.
OESP – Caderno 2, 19 de julho
de 1987
olá! sou repórter do jornal do commercio, do recife, e gostaria de falar com você sobre uma matéria de caio fernando abreu :)
ResponderExcluircomo posso te contactar? tem algum telefone? meu e-mail é rcontente@gmail.com
abraço!