quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Que mal faz moça bonita?



Lucia Peterle:  
Foi Gilberto Braga quem me viciou em telenovela. E Adalgisa Colombo quem me viciou em concurso de miss. Mas o que tem a ver? Bem, outro dia as duas coisas se juntaram num capítulo de Anos Dourados. Durante um chá, Tania Scher comentava que a recém-eleita Miss Botafogo levava muito jeito de conquistar o Miss Distrito Federal. Era de Adalgisa que ela falava. Delícia! Vocês podem até duvidar, mas me formei no ginásio com uma Miss Mundo. Uma futura Miss Mundo, claro. Naquele tempo, nos interiores brabos do Rio Grande do Sul, Lucia Peterle não passava de uma moça alta demais para seus 15 anos, com um pé enorme e aparelho nos dentes. Mudou-se para o Rio, virou Miss Guanabara, terceira Miss Brasil e Miss Mundo, em 1971.


Sentava perto de mim, era ótima aluna e – como éramos os dois compridíssimos – dançávamos muito twist. Mas antes de Lucia, eu já curtia o Miss Brasil. Começava a chegar junho, meu pai trazia toda tarde o Diário de Notícias e, às sextas, O Cruzeiro. Chegado o dia, tinha permissão para ficar na sala ouvindo o concurso pelo rádio – um rádio enorme, do tamanho de uma mesa. Frio de rachar, eu com um caderninho, anotando as medidas das moças e as minhas candidatas. Quase sempre acertava. Minha mãe tinha estranhas opiniões:  achava Adalgisa, por exemplo, muito solta. Ela gostava de Teresinha Morango, com seu ar de “família”. Concordávamos com Marta Rocha: luxo. Só que eu de repente caía em fixações malucas: enlouqueci por Denise da Rocha Almeida. Desclassificada no Miss Guanabara 63, voltou enxutérrima em 64, concorrendo por Brasília. Perdeu para Ieda Maria Vargas. Gaúcha, naturalmente. Denise deu escândalo, ameaçou impugnar o resultado. Garotinho, eu já tinha um fraco por bandidas... Dizem agora que o concurso perdeu a graça. Fico pensando coisas. Primeiro, que um certo tipo de feminismo tira muito o prazer da gente:  que mal faz moça bonita? E será que não foi a TV quem roubou muito daquela graça? Mil vezes mais estimulante você ouvir pelo rádio e imaginar, só imaginar. Ou será que tudo não perdeu um pouco a graça nestes tempos de Chernobyl? Quanto a mim, continuo achando miss um grande barato. Dá a ilusão de que tudo se recompõe, e tudo volta a ser meio ingênuo. E bonito. Hoje à noite vou estar outra vez firme, torcendo pela linda gaúcha Deise.

                 OESP – Caderno 2, Sábado, 17 de maio de 1986

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