Cartas a Théo é um clássico. Muito circulou
lá pelos anos 60, em edições em inglês, francês e espanhol ou “português” de
Portugal, tendo na capa a reprodução daquele quadro de Van Gogh – com a cama
estreita e a cadeira de palha. Mas só este ano a editora L&PM lançou o
livro (300 páginas).
Theodore Van Gogh – o Théo do título – era o
irmão quatro anos mais moço de Vincent, numa família de seis filhos. E foi a
ele, irmão, amigo, cúmplice e muitas vezes doublé de mecenas, que Vincent
escreveu cartas durante toda sua vida. Desde 1873, em Londres, quando tinha apenas
20 anos, até 1890, numa carta escrita pouco antes de tentar o suicídio com um
tiro no coração. O tiro atingiu a virilha, mas Van Gogh não resistiu, e morreu
a 29 de julho. Nessa última, e tristíssima carta, ele dizia: “... em meu
próprio trabalho, arrisco a vida e nele minha razão arruinou-se em parte – mas,
pelo quanto eu saiba, você não está entre os mercadores de homens, e você pode
tomar partido..”
Théo realmente não era nenhum mercador: ele
apenas tinha a intuição (ou consciência?) do gênio do irmão meio louco. Logo
após a morte de Vincent, Foi Théo quem organizou uma grande exposição de sua
obra. Em vida, Vincent só havia vendido um quadro. Théo ainda muito faria pela
memória e pela obra do irmão, mas atacado de paralisia, morreu menos de um ano
depois de Vincent, em janeiro de 1891. As cartas só começaram a aparecer, no
Mercure de France, em 1893 – e no começo do século, aos poucos, começava a
chegar, a consagração do pintor dos amarelos desesperados.
Túmulo de Vincent e Théo Van Gogh |
As cartas de Vincent Van Gogh ao irmão Théo
documentam toda uma vida de luta, de dor – e também uma relação que ultrapassou
os limites do afeto familiar ou da solidariedade. Enquanto Théo casava, à
procura de uma vida mais “arrumada”, Vincent despedaçava-se em bebedeiras,
arrancando a própria orelha, às voltas com terríveis problemas econômicos e
psicológicos. Como se fosse o alter-ego do outro: o equilíbrio de Théo, a
loucura de Vincent.
Referências à complicada relação em Gaughin,
ao processo de criação, dúvidas e inquietações – tudo que se passava na mente e
na vida do pintor ficou documentado nos 17 anos que esta correspondência cobre.
Uma cronologia detalhada no fim do livro avança até mais de meio século depois
da morte dos dois: quando o nome de ambos já estava ligado para sempre. Seja
nestas cartas, seja no cemitério de Auvers-sur-Oise, onde repousam juntos. E
onde – quem sabe? – talvez exista algum girassol de ouro muito próximo do
túmulo dos dois irmãos.
OESP
– Caderno 2, Quinta-feira, 18 de dezembro de 1986
Para ler um trecho de Cartas a Théo no site da L&PM:
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