Bolero
à Grega (sobre García Márquez) e Entregue às Baratas (sobre Patricia
Highsmith), os posts anteriores, iniciaram esta seleção de resenhas e críticas
de Caio F. com escritores que ele adorava. Agora é Virginia Woolf e As Ondas.
A Sétima Voz, o texto de Caio, está abaixo. Boa leitura.
A Sétima Voz
Em nove nítidos e distintos movimentos, três
homens (Bernard, Louis e Nevville) e três mulheres (Susan, Rhoda e Jinny)
monologam sobre suas vidas, da infância à velhice. Em contraponto, o Sol tece
seu percurso diário sobre o mar. Há uma sétima voz, ausente, Percival, que
jamais se manifesta, aparecendo apenas em referências dos outros personagens.
Por volta do meio-dia, no quinto movimento, o Sol e as vidas de cada um começam
a declinar. Se até esse momento cintilava o brilho das descobertas a serem
feitas, das coisas a serem vividas, à medida que a noite se aproxima,
aproxima-se também a solidão inevitável da velhice.
Diz Jinny: “Esta é a pausa de um momento: o
momento sombrio. Os violinistas erguem seus arcos”. E, quando, os arcos tocam
as cordas, inexorável como o movimento do dia, a vida desaba. É Bernard quem
reconhece: “Durante todo o dia de trabalho, em intervalos, minha mente ia a um
lugar vazio, dizendo: ‘O que se perdeu? O que terminou?’ E murmurei: ‘Acabou,
acabou’ “. Como temas de uma peça barroca, enovelam-se os altos e baixos de
esperanças e frustrações, cada vez mais próximos da dura consciência de que um
ser humano pouco ou nada pode fazer pela solidão do outro.
Em 1930, Virginia anotava em seu diário,
referindo-se a um romance provisoriamente intitulado Os Efêmeros: “Acho que este é o mais complexo e o mais difícil de
meus livros. Como terminá-lo, a não ser por uma enorme discussão na qual cada
vida terá sua voz, uma espécie de mosaico, não sei”. Um ano depois, saía a
primeira edição de As Ondas, que
chega ao Brasil quarenta anos depois do suicídio da autora, em excelente
tradução de Lya Luft.
Apesar da insegurança inicial, Virginia Woolf
parecia compreender perfeitamente a grande obra que estava compondo. Assim,
rompendo radicalmente com as normas ficcionais da época, ela solidificou a
originalidade narrativa numa estrutura quase matemática. Talvez por isso a
soberba técnica de As Ondas
aproxima-se muito mais da música erudita, como observou sua tradutora francesa,
Marguerite Yourcenar, que da literatura.
Ao final do dia, para os seis personagens,
resta ainda uma última batalha a ser travada, contra a morte – batalha que a
própria Virginia abreviou jogando-se no rio Ouse. Sua sensibilidade não passou
impune mas, neste romance perfeito como uma composição de Bach, fica registrada
a sensação de que, talvez, “por um momento, nossa vida se ajusta à majestosa
marcha do dia através do céu”.
Veja, 21 de janeiro de 1981
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