terça-feira, 16 de agosto de 2011

Diário do Grande Sertão





De certa forma, ajudei a inventar este livro. Explico como. Foi lá por setembro/outubro de 1985. Estava editando a revista Around quando me caiu nas mãos um texto de Bruna: os fragmentos de um diário escrito durante as gravações de Grande Sertão: Veredas. Fiquei encantado com – mais que tudo – o clima do texto, que liguei para ela: “Bruna, tua matéria é uma delícia. Sabe o que eu acho? Que ela daria um livro”.
Ela duvidou. Valeria mesmo a pena, interessaria a alguém? Inisisti. Bruna falou que ia pensar, remexer no material. A cada vez que nos cruzávamos, depois, ou falávamos por telefone, eu cobrava: “E como vai o livro?” Até que ela se decidiu. E mergulhou na reconstituição daqueles papéis, daqueles sertões. Obsessiva, bateu e rebateu originais, procurando essa coisa esquiva – a forma exata. De vez em quando, iluminações. Como as frases do próprio Guimarães Rosa que atravessam o texto – lembrando sempre que esse outro texto, o de Bruna, não existiria sem o de Guimarães. Nem o texto, nem a experiência. Que foi profundamente modificadora – isso vocês vão descobrir à medida que forem lendo. E se espantando com a moça linda e loura, de imagem mimada, às voltas com escorpiões fatais, ou à procura de discretas moitinhas para fazer um xixi rápido. Quem diria – a Bruna Lombardi? Ela mesma, cara... É que só a paixão pode levar à renúncia desses fricotes e comodidades aos quais estamos urbanamente (mal) acostumados. Você vai surpreender aquela moça Bruna, que você imagina envolta em peles, bebericando champanha nas noites paulistanas – já meio tomada por Reinaldo/ Diadorim -, sentindo-se “a mulher mais sofisticada do planeta” por conseguir dormir uma noite numa simples cama de hotel. Por trás da aventura pessoal, a aventura grupal de um bando de técnicos e artistas de TV dispostos a realizar o aparentemente impossível: verter para o vídeo o universo verbal muitas vezes hermético do nosso maior escritor. Eles conseguiram. Bruna também conseguiu.
E conseguiu não só emprestar corpo e vida à torturada Diadorim, mas despir-se de muitas de suas camadas supérfluas para colocar corpo e vida também no texto que, no meio do redemunho, escreveu.
O resultado é este documento sobre duas aventuras: a de toda a equipe que realizou talvez o mais belo seriado da televisão brasileira, e a aventura particular da moça Bruna, transformada em jagunço vingativo. É muito bonito. Vital, vigoroso. Como se, em cada momento da escritura, a autora ouvisse por dentro a voz de seu inspirador Guimarães Rosa, instigando, provocando, enlouquecendo: “Êêêêêêê mandacarú, ôi Diadorim belo feroz. Ah, ele conhecia os caminhares”. Bruna também. Se não os do sertão, pelo menos os de escrever.
    Orelha do livro Diário do Grande Sertão, Bruna  Lombardi. 1986

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