domingo, 6 de julho de 2014

"Eu descobri que a gente morre. Eu sei agora que a gente morre"

De Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes
É belíssimo o documentário Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes, claro que sobre Caio F., que passa hoje, 23 setembro, às 20h30, no canal Arte 1 (reprises na quinta, às 17:25 e Sábado, 18:05). Imagens dos lugares em que ele viveu e seus escritos nas vozes daqueles que com ele conviveram. Um dos momentos mais tocantes vem com imagens da avenida Paulista e logo entra Maria Adelaide Amaral lendo uma carta que Caio lhe enviou depois de assistir a peça De Braços Abertos. Está no esgotado livro de Cartas, é uma carta longa e terrivelmente bela. Segue abaixo o trecho final, lido por Maria Adelaide em Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes, de Bruno Polidoro e Cacá Nazario.

A Maria Adelaide Amaral
Sampa, 29 de outubro de 1984
(...........)
Maria Adelaide Amaral: Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes
Há quase dois dois meses, menos, vi a morte – e isso mudou muita coisa em mim. Está mudando. Teria que te contar devagar, com calma, como foi a história toda de ter que vestir o cadáver da mãe morta do Reinaldinho Moraes, quando eu nunca tinha visto aquilo de perto. Eu descobri que a gente morre. Eu sei agora que a gente morre. E achei feio, achei tristésimo, achei o corpo humano tão frágil, tão perecível. Fiquei doente, estou fraco, frágil, choro pelos cantos. Voltei à terapia, estou remexendo coisas fundas. Dolorosas, meio perdido, com uns problemas difíceis, materiais, de grana, de saúde, de solidão. E escolhendo não morrer, escolhendo continuar, de uma forma ainda meio cega, tortuosa, não-racional.

Ontem também fazia exatamente um ano que Ana Cristina se jogou pela janela. Eu tinha pensado nela o dia inteiro.

De Braços Abertos, a peça*
Porque chega uma hora em que você tem que escolher a vida. Eu talvez não saiba bem ainda o que isso significa, mas é claro para mim que a hora dessa escolha é agora, está acontecendo. Então ver De Braços Abertos foi outra peça que encaixou nesse quebra-cabeças cujo desenho real mal começo a intuir. Porque ela te puxa para o lado da vida, e que não é um lado facilmente ensolarado, luminoso, leve & solto. Vou falar o óbvio de Eros e Thanatos, mas o impulso para amar, para encontrar e conhecer e mergulhar no outro, é o que nos traz para perto da vida. E é por isso que quando se está de braços abertos, se está dando as costas para a morte. Ou deixando, calmamente, tão calmamente quanto possível, que ela venha a seu tempo – porque fatalmente virá.

O que acontece comigo é que eu tinha andado de braços fechados. Sem perceber. Analisando meus sonhos, ultimamente, isso tem ficado tão claro. E eu não quero mais. Ainda não sei como chegar lá, mas você me ajudou muito ontem à noite. Eu quase não conseguia falar, depois. E nem era preciso.

Acho que você está dando coisas lindas para as pessoas. Lindas com todos os componentes de dificuldades, e dores, e procuras, e tentativas e perdições. Lindas-fortes, não lindas-fáceis. Sinto uma grande admiração por você e um grande orgulho de poder me considerar seu amigo. Obrigado. Um beijo muito grande e com muito carinho. Seu

                                                                                                                   Caio F.

*Na foto, Juca de Oliveira e Irene Ravache na peça De Braços Abertos, de Maria Adelaide Amaral, o "motivo" dessa carta.

Aqui, o link do Canal Arte 1 para Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes
http://arte1.band.uol.com.br/fragmentos-da-vida-de-caio-fernando-abreu/