GAY POWER
Eu acho muito discutível essa coisa de luta gay. Todo mundo é parcialmente bissexual. Quando a gente começa a gritar aos quatro ventos as diferenças, você corre o risco de reforçar a discriminação. Se deve lutar, sim, por todos os direitos: de negros, de judeus, de classes menos favorecidas economicamente. Não acho a luta gay mais importante do que a luta por melhor salários dos garis da Prefeitura, por exemplo. A política disso no Brasil é ambígua e complexa porque o Brasil é ambíguo e complexo sexualmente. A sexualidade aqui é totalmente indefinida.
Então, vamos discutir, vamos trazer isso à tona, mas com cuidado, para não cair naquilo do festival de filmes lésbicos em Paris que era proibido para homens. Também não gosto dessa história de cultura voltada para gays. É capitalista, uma coisa meio Xuxa, tipo vamos vender a botinha, a camisetinha, a calcinha e vender, vender, vender. Não se tem de compartimentalizar as coisas. Fiquei, ano passado, cerca de dois meses em Amsterdam e o prefeito de lá quer transformar a cidade na capital gay da Europa. Então é assim, um paraíso gay, muito agradável e tal, tem a discoteca dos sado-masos, dos gordinhos, dos negros, o bar das bichas magras, das lésbicas que se travestem de homens, das lésbicas que usam salto alto. Eu não gosto disso. Cai no folclore e na separação. São mini-guetos dentro de médios-guetos dentro de macro-guetos. Nós devemos caminhar é para a união de tudo. Se não, é muito esquizofrênico. Um livro escrito por um autor gay, editado por uma editora gay, distribuído por um distribuidor gay vai ser lido apenas por gays. Eu acho maravilhosamente útil um filme como Priscilla ou Filadélfia que pode não ser um grande filme, mas humaniza as pessoas e o subtexto é: olha, somos todos iguais! Cada ser humano é um universo com suas variações. Sou partidário da teoria do caos. Não vamos tentar ordenar e disciplinar o mistério. E a condição humana é basicamente o mistério.
HOMOSSEXUALIDADE
Eu nunca me senti homossexual, até porque eu não era exclusivamente homossexual. Tive muitas namoradas e tal. Mas isso é uma coisa que nunca me preocupou. Nunca me senti diminuído, nunca me senti agredido, nunca tive necessidade nem vontade de empunhar bandeira nenhuma. Claro que, quando há alguma discriminação, eu grito e acho justo gritar. Mas jamais encaminharia meus livros ou meu trabalho para uma coisa assim tão dirigida. Eu estava revisando um conto curtinho de Morangos Mofados que se chama Além do Ponto. É sobre um sujeito sem nome, caminhando na chuva, com uma garrafa de conhaque embaixo do braço à procura de um outro sujeito abstrato que está esperando por ele em algum lugar. E ele chega na casa do outro, começa a bater e a porta não abre. Essa história, na época em que o livro foi lançado, foi lida como uma história homossexual. Não é. Ela é a procura de Deus. O homem atrás da porta é como Godot, de Samuel Beckett. Foi uma leitura muito chinfrim. E o Brasil está muito assim, está muito Barbie. É uma ansiedade pelo plástico e uma avidez pela intimidade alheia! Eu tenho horror dessas revistas que entrevistam peruas e perus. Há um esvaziamento interior muito grande nas pessoas, elas estão ávidas tanto para ouvir quanto para falar sobre isso. A mim, nada que é humano me espanta e justamente por nada ser espantoso e vergonhoso a gente pode falar a respeito, mas a palavra chave é dignidade. Eu li muita fábula quando era criança, muito Esopo e La Fontaine – ética é bom e a gente gosta.
AIDS
Hoje tenho grande urgência de viver. Cazuza, Derek Jarman, Bill T. Jones. Todos trabalharam loucamente. Não há tempo para perder com gente chata, coisas chatas, ficar em fila de supermercado. Não posso perder tempo. Ainda nem li A Divina Comédia! E isso é muito saudável, se souber jogar com isso dentro da cabeça. O vírus não significa uma condenação à morte. Tenho amigos que estão com ele há 11 anos. Vide Betinho, que é maravilhoso, movido à vida e fé muito mais que AZT. A gente precisa falar muito sobre o vírus precisa dessacralizá-lo. Ele é uma coisa idiota. Precisa falar com ele de frente. Eu vi pessoas, aqui no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que chegam do interior, mal, magrinhas, fracas, de ônibus, porque na cidade delas ninguém pode saber que estão doentes. Não ter vergonha nenhuma nisso. Que que é isso? A Condição humana é muito inocente.
Rev. Sui Generis. Nº 1. Janeiro 1995
PS: Logo logo a segunda parte da entrevista
Concordo em partes com o Caio. Não completamente.
ResponderExcluirEi, Gerson
ResponderExcluirEsse texto, é bom lembrar, foi publicado na Sui Generis, uma revista gay bem legal que, infelizmente, não teve vida muito longa.
E quanto as opiniões do Caio, é bom lembrar que são de 95 (16 anos atrás) e muita coisa mudou desde então.
Abraço
Pois eu concordo em tudo. Talvez por não ser gay ativamente.. mas.. apoiar e admirar toda a causa.
ResponderExcluirMe identifico mto com as ideias de Caio.
Gente é gente e ponto.
Sou hetero e diferente de outros heteros. Não me sinto em classe alguma - mesmo tendo falado nelas aki pra dar exemplo.
A gente tem que ir em busca da união.
Isso é a verdadeira filosofia certa.
Qto mais se grita, se levanta bandeiras, mas nos afastamos da humanidade.
ESPERANDO ANSIOSA A 2ª PARTE DA ENTREVISTA
Gostei muito. Principalmente da primeira parte da entrevista. Devemos lutar pela igualdade de todos e não buscar a diferença entre as classes.
ResponderExcluirEi, pessoal
ResponderExcluirBom demais ver os pensamentos do Caio Fernando Abreu sendo debatidos. Gracias pelos comentários. E logo logo posto a segunda parte da matéria. E salve salve Caio F.
O texto é de 95 mas continua atual. Acho fundamental vivermos sem nos prendermos à títulos, à "guetos". E considero que a política e o mercado estão se valendo da, como o Caio falou, "luta gay" para seu inglório crescimento e articulação de poderes.
ResponderExcluirPenso que a "parada gay" é um carnaval florido para manobras políticas. Nesta semana foi mostrado um casal voltando para casa após parada. O caminho de volta foi tortuoso, repleto de violência verbal e física. Ainda nesta semana, o comitê de ética rejeitou processo contra o ilustre Bolsonaro. Nessas horas pergunto: -Cadê os 4 milhões de pessoas que passeiam pela Av. Paulista quando essas coisas acontecem? Bem que podiam se mobilizar em Brasília. Os próprios homossexuais criam também os seus guetos, divisões estúpidas de "quem faz o quê, com quem na cama", etc. Concordo com "a luta" que toca a união estável (mesmo que possa ser uma furada), adoção... Mas acredito que o importante seja a educação que nos faça exercer aquilo que já somos: seres políticos; no bom sentido, donos do nosso próprio corpo, pensamentos e escolhas. Somos grandes, apesar de muitas pequenezas, para nos prendermos em definições que querem cercear nossa liberdade e sexualidade.
ResponderExcluirmuito bom o seu texto gostei da sua clareza em relação ao tema em apreço você esta de parabéns ..achei seu blog por acaso
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