Eu nunca tinha lido James M. Cain. Nas primeiras 20
páginas comecei a entender por que, na apresentação, Ruy Castro avisa que se
alguém pegar a gente com o livro na mão pode perguntar “para que perder tempo
com uma literatura tão vagabunda”. É que O Destino Bate à Porta não tem nenhuma
pretensão gritante à grande obra – ele é absolutamente compreensível por
qualquer pessoa. É um livro simples.
Isso na aparência. Porque é como se o autor Cain
assumisse a linguagem e os pontos de vista da personagem Frank Chambers. E
Frank é um cara “simples”: vagabundeia de cidade em cidade, pega caronas, desce
aqui e ali, joga uma sinuca, ganha uma grana, cai de novo para a estrada. Ele
nem sabe bem por que vai parar no posto de gasolina do grego Nick Papadakis.
Nem como chega a se envolver com a mulher de Nick, Cora. Muito menos chega a
perceber o momento em que essa relação começa a se tornar terrível.
Ed. Brasiliense (1984) |
Mas é então que Cain introduz elementos mais
perturbadores na história: Frank fica em dúvida – seria ele conscientemente
inocente do segundo crime mas inconscientemente culpado? E é então que a gente
fica também perturbado: quem responde pelos nossos atos sub ou inconscientes é,
inevitavelmente, a nossa parte consciente. Que, se desconhecer suas motivações
mais profundas ou escondidas, será para sempre inocente. Como é que alguém pode
ser culpado de um crime que nem sequer sabe que cometeu?
John Garfield e Lana Turner: O Destino Bate à sua Porta (1948) |
Jack Nicholson e Jessica Lange: O Destino Bate à Sua Porta (1981) |
Obsessão, de Luchino Visconti (1943) |
compreender por que já fizeram três ou quatro filmes desse livro – um deles, inclusive, dirigido pelo grande Visconti. E vai entender por que quando alguém se referir a essa literatura “vagabunda”, como diz o Ruy Castro, a melhor resposta é dar de ombros e rir por dentro. E se pensar que Cain, na época que escreveu o livro – 1934 -, tinha 45 anos de muitas andanças pelo mundo do jornalismo e até da Primeira Guerra Mundial, vai começar a suspeitar que esse cara realmente sabia das coisas. Tanto que O Destino Bate à Porta, como o eco do canto de Nick, antes de morrer, continua a soar – 50 anos depois.
Primeiro
Toque (Informativo da Ed. Brasiliense) - 1984
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