quinta-feira, 24 de maio de 2012

A novela da novela



                               Ou como, depois de quase
                                              seis meses, uma história
                                              não chegou nem mesmo a nascer

Essa crônica poderia se chamar qualquer coisa tipo “De Como Não Escrevi Uma Novela para a Televisão”. Começou em junho último, quando Mario Prata, velho e fiel amigo, me chamou. Trabalhando para a TV Manchete, ele, Reinaldo Moraes e Dagomir Marquezi, estavam escrevendo a novela Helena, adaptação de Machado de Assis. Prata queria formar uma nova equipe, para preparar uma nova novela, que substituiria Helena no horário das 19h30. Topei na hora. Conosco, começou a trabalhar Lucia Villares – mais boa gente impossível. Nessa companhia deliciosa – Prata, Rei, Dagô e Lu -, com a chefia de José Wilker, do Departamento de Telenovelas da Manchete, a coisa foi andando. Saí do jornal, disposto a mergulhar no trabalho, aprender essa outra linguagem.


Primeiro, a Manchete queria uma novela de época, sobre a libertação dos escravos. Reunimos um material precioso: Lu descobriu um atentado ao Imperador D. Pedro II, em 1889, feito por um jovem estudante chamado Adriano do Valle. Lemos pilhas de livros sobre o assunto (aproveito para recomendar Retrato em Branco e Negro, de Lilia Moritz Schwartz, publicado este ano pela Companhia das Letras), fizemos pesquisas em bibliotecas, jornais da época. Lilia, Haroldo Maranhão e Antônio Cândido nos deram umas boas aulas de História do Brasil. Através de Antônio Cândido chegamos a um romance de Bernardo Guimarães (o mesmo autor de A Escrava Isaura) com o título inacreditável de Rosaura, a Enjeitada.

Aos poucos, definiu. Rosaura, mais toda a pesquisa histórica, mais o atentado ao imperador, resultou numa sinopse  chamada Anos 80: uma novela que se passaria em São Paulo na década de 80 do século passado. Ambição: remexer no passado deste pobre País quem sabe ajudaria a compreender melhor seu presente e também seu futuro (existe, nas mãos de Zé Sarney?). A Manchete aprovou, alguns nomes começaram a ser pensados para o elenco. Pra cima com a viga, moçada.

Então, os planos mudaram. Anos 80 era considerada “boa” demais para o horário. Foi adiada talvez para substituir Carmem. Deveríamos escrever, para o horário das 19h30, uma comédia contemporânea, cuja ação transcorresse em São Paulo. Mãos à obra: deixa Rosaura dormir um tempo. Outra vez Lu lembrou de uma história absurda sobre uma herança enorme deixada por um milionário paulistano. A coisa foi crescendo, algumas personagens foram nascendo espontaneamente, muito vivas. Então nos avisaram que o horário devia ser mudado para 22:30h (oba, a censura é mais branda) e a estreia adiada para janeiro.

Começamos a escrever. O tom da novela apareceu, era ao mesmo tempo muito engraçado e muito bandido. As personagens foram ganhando voz própria. O elenco já estava quase todo definido. Às vésperas de uma viagem ao Rio para um reunião sobre cenografia e figurino, o aviso de “parem as máquinas!”. Em seguida, a bomba que saiu nos jornais a semana passada: a Manchete decidia cancelar suas telenovelas. Ou, mais suavemente, adiar ou suspender os projetos em cursos. Sensações misturadas: primeiro a frustração de ver quase seis meses de trabalho desperdiçados. Aquela melancolia de pensar pô, mas essas criaturas não vão nascer? Nada mais triste do que personagens que não chegam a nascer. Tudo isso misturado à revolta com a situação social do País: falência total.

Terceiro, menos doloroso mas infelizmente mais grave: aquela palavrinha bem brasileira chamada desemprego. As mãos abanando, sem contrato, um grupo de escritores não me atrevo a dizer que talentosos, mas pelo menos, competentes, disciplinados, esforçados. E, agora, o que se faz? Não se faz nada. Fica assim mesmo.

Estou escrevendo sobre isso porque minha cabeça está ocupada com isso, e porque outros jornais estão dando versões confusas sobre toda a história. O que aconteceu foi exatamente o que contei. Estou escrevendo também para pedir emprego publicamente. Porque não vivo de brisa nem de poesia. Não tenho mesada, pago aluguel, moro sozinho. Como na velha música de Caetano, “Quem me dá sou eu”. Resulta que estou em pânico e até peço desculpas por, tão despudoramente, encerrar pedindo assim: socorro.

                                                   OESP, Caderno 2, 11 novembro de 1987

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