Ou como, depois de quase
seis meses, uma história
não chegou nem mesmo a nascer
seis meses, uma história
não chegou nem mesmo a nascer
Essa crônica poderia se chamar qualquer coisa tipo “De Como Não Escrevi Uma Novela para a Televisão”. Começou em junho último, quando
Mario Prata, velho e fiel amigo, me chamou. Trabalhando para a TV Manchete,
ele, Reinaldo Moraes e Dagomir Marquezi, estavam escrevendo a novela Helena,
adaptação de Machado de Assis. Prata queria formar uma nova equipe, para
preparar uma nova novela, que substituiria Helena no horário das 19h30. Topei
na hora. Conosco, começou a trabalhar Lucia Villares – mais boa gente
impossível. Nessa companhia deliciosa – Prata, Rei, Dagô e Lu -, com a chefia
de José Wilker, do Departamento de Telenovelas da Manchete, a coisa foi andando.
Saí do jornal, disposto a mergulhar no trabalho, aprender essa outra linguagem.
Primeiro, a Manchete queria uma novela de época, sobre a
libertação dos escravos. Reunimos um material precioso: Lu descobriu um
atentado ao Imperador D. Pedro II, em 1889, feito por um jovem estudante
chamado Adriano do Valle. Lemos pilhas de livros sobre o assunto (aproveito
para recomendar Retrato em Branco e Negro, de Lilia Moritz Schwartz, publicado
este ano pela Companhia das Letras), fizemos pesquisas em bibliotecas, jornais
da época. Lilia, Haroldo Maranhão e Antônio Cândido nos deram umas boas aulas
de História do Brasil. Através de Antônio Cândido chegamos a um romance de
Bernardo Guimarães (o mesmo autor de A Escrava Isaura) com o título
inacreditável de Rosaura, a Enjeitada.
Aos poucos, definiu. Rosaura, mais toda a pesquisa
histórica, mais o atentado ao imperador, resultou numa sinopse chamada Anos 80: uma novela que se passaria
em São Paulo na década de 80 do século passado. Ambição: remexer no passado
deste pobre País quem sabe ajudaria a compreender melhor seu presente e também
seu futuro (existe, nas mãos de Zé Sarney?). A Manchete aprovou, alguns nomes
começaram a ser pensados para o elenco. Pra cima com a viga, moçada.
Então, os planos mudaram. Anos 80 era considerada “boa”
demais para o horário. Foi adiada talvez para substituir Carmem. Deveríamos
escrever, para o horário das 19h30, uma comédia contemporânea, cuja ação
transcorresse em São Paulo. Mãos à obra: deixa Rosaura dormir um tempo. Outra
vez Lu lembrou de uma história absurda sobre uma herança enorme deixada por um
milionário paulistano. A coisa foi crescendo, algumas personagens foram
nascendo espontaneamente, muito vivas. Então nos avisaram que o horário devia
ser mudado para 22:30h (oba, a censura é mais branda) e a estreia adiada para
janeiro.
Começamos a escrever. O tom da novela apareceu, era ao
mesmo tempo muito engraçado e muito bandido. As personagens foram ganhando voz
própria. O elenco já estava quase todo definido. Às vésperas de uma viagem ao
Rio para um reunião sobre cenografia e figurino, o aviso de “parem as
máquinas!”. Em seguida, a bomba que saiu nos jornais a semana passada: a
Manchete decidia cancelar suas telenovelas. Ou, mais suavemente, adiar ou
suspender os projetos em cursos. Sensações misturadas: primeiro a frustração de
ver quase seis meses de trabalho desperdiçados. Aquela melancolia de pensar pô,
mas essas criaturas não vão nascer? Nada mais triste do que personagens que não
chegam a nascer. Tudo isso misturado à revolta com a situação social do País:
falência total.
Terceiro, menos doloroso mas infelizmente mais grave:
aquela palavrinha bem brasileira chamada desemprego. As mãos abanando, sem
contrato, um grupo de escritores não me atrevo a dizer que talentosos, mas pelo
menos, competentes, disciplinados, esforçados. E, agora, o que se faz? Não se
faz nada. Fica assim mesmo.
Estou escrevendo sobre isso porque minha cabeça está
ocupada com isso, e porque outros jornais estão dando versões confusas sobre
toda a história. O que aconteceu foi exatamente o que contei. Estou escrevendo
também para pedir emprego publicamente. Porque não vivo de brisa nem de poesia.
Não tenho mesada, pago aluguel, moro sozinho. Como na velha música de Caetano,
“Quem me dá sou eu”. Resulta que estou em pânico e até peço desculpas por, tão
despudoramente, encerrar pedindo assim: socorro.
OESP, Caderno 2, 11 novembro de 1987
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