quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A sétima voz



Bolero à Grega (sobre García Márquez) e Entregue às Baratas (sobre Patricia Highsmith), os posts anteriores, iniciaram esta seleção de resenhas e críticas de Caio F. com escritores que ele adorava. Agora é Virginia Woolf e As Ondas. A Sétima Voz, o texto de Caio, está abaixo. Boa leitura.


A Sétima Voz

Em nove nítidos e distintos movimentos, três homens (Bernard, Louis e Nevville) e três mulheres (Susan, Rhoda e Jinny) monologam sobre suas vidas, da infância à velhice. Em contraponto, o Sol tece seu percurso diário sobre o mar. Há uma sétima voz, ausente, Percival, que jamais se manifesta, aparecendo apenas em referências dos outros personagens. Por volta do meio-dia, no quinto movimento, o Sol e as vidas de cada um começam a declinar. Se até esse momento cintilava o brilho das descobertas a serem feitas, das coisas a serem vividas, à medida que a noite se aproxima, aproxima-se também a solidão inevitável da velhice.

Diz Jinny: “Esta é a pausa de um momento: o momento sombrio. Os violinistas erguem seus arcos”. E, quando, os arcos tocam as cordas, inexorável como o movimento do dia, a vida desaba. É Bernard quem reconhece: “Durante todo o dia de trabalho, em intervalos, minha mente ia a um lugar vazio, dizendo: ‘O que se perdeu? O que terminou?’ E murmurei: ‘Acabou, acabou’ “. Como temas de uma peça barroca, enovelam-se os altos e baixos de esperanças e frustrações, cada vez mais próximos da dura consciência de que um ser humano pouco ou nada pode fazer pela solidão do outro.

Em 1930, Virginia anotava em seu diário, referindo-se a um romance provisoriamente intitulado Os Efêmeros: “Acho que este é o mais complexo e o mais difícil de meus livros. Como terminá-lo, a não ser por uma enorme discussão na qual cada vida terá sua voz, uma espécie de mosaico, não sei”. Um ano depois, saía a primeira edição de As Ondas, que chega ao Brasil quarenta anos depois do suicídio da autora, em excelente tradução de Lya Luft.

Apesar da insegurança inicial, Virginia Woolf parecia compreender perfeitamente a grande obra que estava compondo. Assim, rompendo radicalmente com as normas ficcionais da época, ela solidificou a originalidade narrativa numa estrutura quase matemática. Talvez por isso a soberba técnica de As Ondas aproxima-se muito mais da música erudita, como observou sua tradutora francesa, Marguerite Yourcenar, que da literatura.

Ao final do dia, para os seis personagens, resta ainda uma última batalha a ser travada, contra a morte – batalha que a própria Virginia abreviou jogando-se no rio Ouse. Sua sensibilidade não passou impune mas, neste romance perfeito como uma composição de Bach, fica registrada a sensação de que, talvez, “por um momento, nossa vida se ajusta à majestosa marcha do dia através do céu”.
                            
                                     Veja, 21 de janeiro de 1981


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