quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A CARTA FURIOSA DE CAIO F. PRO PASQUIM



Quem assistiu não esquece Caio Fernando Abreu chamando Rachel de Queiroz de latifundiária e reacionária no programa Roda Viva (o vídeo tá no youtube). Pois esta carta aqui tem o mesmo teor, com a ira santa de Caio voltada ao Pasquim.

O entrevistão de O Pasquim, em 1977
Era 1977. A Codecri, editora do Pasquim, publicou Histórias de Um Novo Tempo, coletânea de contos com seis autores "novíssimos" - Caio Fernando Abreu, um deles. E quatro foram reunidas para uma das célebres entrevistas, com direito a chamada de capa: "A ala jovem da literatura dá seu recado". O Pasquim, então, andava distante dos tempos mais libertários como o da entrevista com Leila Diniz, por exemplo, e havia uma nova geração chegando - Caio, tinha 29 anos e já havia publicado três livros: Inventário Do Irremediável (Contos, 70), Limite Branco (romance, 71) e O Ovo Apunhalado (contos,75), o primeiro a despertar mais atenção.

Com quatro páginas, o entrevistão rendeu uma carta em que Rogério Monteiro dizia que conhecia Caio F. e que ele renderia sozinho muito mais do que os que foram reunidos. A resposta do Pasquim foi debochada (no final). Resultado: Caio Fernando Abreu, furioso, escreveu uma carta para o Pasquim sobre o que achava da entrevista, do reacionarismo do jornal e muito muito mais, praticamente um documento sobre aquele quase final de década quando Rita Lee era presa com maconha, Odara do Caetano Veloso era alvo de "patrulhas ideológicas".... Não lembro de ter lido essa carta em nenhum dos livros publicados sobre ele.

Abaixo a carta de Caio. E no final, a que a originou.


                         A CARTA DE CAIO F. PRO PASQUIM

Porto Alegre, 18 de agosto de 1977
Seu Edélsio (?):

Como não costumo mais ler O Pasquim, somente hoje, através de outra pessoa, tomei conhecimento da carta enviada a vocês por Rogério Monteiro, a respeito da entrevista sobre Histórias de Um Novo Tempo. E também da resposta. Grossa e imbecil como, suponho - já que não perco tempo com imprensa pseudoliberal, chauvinista e reacionária -, costumam ser as respostas de vocês.

Certamente, ou quase, vocês não publicarão esta carta. A não ser com os costumeiros e arbitrários cortes. Ou/e com uma resposta idiota. Antes de mais nada, quero deixar algumas coisas bem claras: não tenho o hábito de escrever para jornais ou revistas (a não ser quando pegam no meu pé) e nem estou querendo aparecer no Pasquim. Caretice por caretice, meu irmão, no final das contas, a Manchete é o mesmo caldo.

"Seu Edélsio" - eu não admitiria nem que Otto Maria Carpeaux (você já ouviu falar?) viesse a dizer que os autores - ou eu, especificamente - de Histórias de Um Novo Tempo - "na base do pau" poderiam "aprender alguma coisa que não fosse ler livrinho ou revistinha estrangeira". Seu moço, eu estou fazendo 29 anos, tenho muita estrada nas costas e não sou nenhum imbecil. Simplesmente dispenso orientações - de quem quer que seja - no meu trabalho de criação literária. Censura basta uma, cara. E vocês confundem descolonização cultural com fechamento cultural: proibir ou criticar a leitura de literatura estrangeira (e você acha que os autores que leio - estrangeiros ou não  - alguma vez escreveram livrinhos?) é exatamente a mesma atitude de baixar censura prévia sobre a imprensa estrangeira. Isso é FECHAMENTO CULTURAL, moço. Isso é FAS-CIS-MO, chê.

E tem mais: eu ia ficar quieto no meu canto porque tenho nojo de intrigas e bastidores literários, mas chega de levar paulada e ficar quieto. É assim que o nosso povo está vivendo há 13 anos.

Eu quero dizer que aquela ridícula entrevista foi CORTADA E DISTORCIDA ARBITRARIAMENTE. Segundo estou informado, um jovem (cujo nome prefiro omitir), dizendo-se autorizado por mim a cortar algumas de minhas declarações foi o autor desse troço. Eu pedi apenas que cortasse o que eu disse sobre (...) (NR - Seu pedido foi atendido). A não que vocês, além de reacionários, sejam também dedos-duros. O que eu não duvidaria. Bem, cortaram tudo. Desde um depoimento - a melhor coisa da noite - do escritor João Silvério Trevisan - até minha reação à agressividade do Cícero Sandroni e a minha resposta a uma pergunta de Félix de Athayde. "Você está defendendo o João Silvério por gostar do livro dele ou porque vocês dois são homossexuais?". Eu respondi: "Eu sou bi-sexuado, Félix. Como todo mundo. Inclusive você. A diferença é que eu admito isso e vocês não".

Olha, moço, eu não tenho moral pública nenhuma a defender. Eu sou exatamente o que sou, ou o que a geração estúpida de vocês fez com que a minha se tornasse. Acontece que neste país, e nesta imprensa moralista, verdade é sinônimo de escândalo. E é, no mínimo lamentável, perceber que justamente vocês, que se supõem tão liberais, venham com esse tipo de atitude MEDIEVAL. Tapar o sol com a peneira, cara? Mas se o mundo tá podre, meu irmão. Se tá tudo caindo aos pedaços e a única coisa a preservar (difícil quando se está em contato com certo tipo de máfia) é uma certa dignidade humana.

São caras como vocês que estão tentando destruir Caetano e Gil. São caras como vocês que provocaram, indiretamente, a loucura, a prisão e a cegueira de Maura Lopes Cançado. São caras como vocês que prenderam Rita Lee. São caras como vocês que expulsaram José Celso Martinez do país. Ou Rogério Sganzerla. Ou Helena Ignez. Ou Julio Bressane. Por não terem se habituado ainda à idéia de que OS TEMPOS SÃO OUTROS, de que a década do 70 tá no fim e todos os conceitos marxistóides de vocês criaram mofo, de que entre a minha geração e a de vocês existe um abismo onde cabem o tropicalismo, os Beatles, os tóxicos, as viagens de carona, as comunidades, a macrobiótica, a ioga, Timothy Leary, a ecologia, o aumento no índice de loucura y otras cositas más. Não há diálogo entre nós porque a mente de vocês é estreita demais.

Quanto ao HISTÓRIAS DE UM NOVO TEMPO, suponho que a Codecri já tenha faturado bastante em cima dos"novíssimos". É bom dizer: a Codecri não nos deu sequer passagem para ir até o Rio (eu moro no Sul, e sou jornalista, e ganho pouco). A Codecri não divulgou o nosso nome nos lançamentos: ficamos sempre à sombra de Otávio Ribeiro e seu Barra Pesada, tratados como "pobres jovens a quem estamos dando uma chance". Eu quero que as chances de vocês vão para o inferno. E se quiserem colocar meu nome no índex do Pasquim (deve ter um, não? pois até o Vaticano tem) eu vou achar até bom.

Talvez eu devesse ser mais contido ou mais brittish (para seu governo, moço: leio inglês, espanhol, italiano, francês, entendo alguma coisa de sueco e estou estudando alemão) - já que para Félix de Athayde não passo de um "inglês de fronteira". Inglês de fronteira que aprendeu na porrada a lidar com gente medíocre e baixo-astral, e que cada dia prefere conhecer mais as plantas e os animais do que seres humanos de um certo tipo.

Eu acho tudo isso péssimo, e gostaria de não ter sido praticamente forçado (por mim mesmo) a escrever esta carta. Mas isso é exatamente o que penso a respeito de vocês, e de toda uma imprensa dita liberal. A gente fica pensando na mysérya do lyberalysmo, de Glauber Rocha. A propósito, vocês já ouviram Nara Leão cantando este Erasmo Carlos: "mas não polua minha cultura / não venha dividir comigo sua autocensura/ me desencontre/ não me prostitua/ Se não seremos mais uma carcaça em desgraça por aí"

Mas a minha (e a de minha geração) grande vingança, bichos, vocês jamais entenderão: é que vocês nunca conseguirão ficar ODARA, entendeu? O mais são lembranças agradáveis do tempo que Luiz Carlos Maciel perdeu fazendo páginas e páginas para vocês.
Meus pêsames.

Sem açúcar nem afeto (P.S.) Rogério Monteiro existe, palhaço, é um jornalista gaúcho que vive em Salvador. Flagrou? Po*** nenhuma.
Caio Fernando Abreu
(Rua Chile, 661, Jardim Botânico/Porto Alegre, RS)
Brittish é com um t só (PS: ESSA FOI A "RESPOSTA" DO PASQUIM)


                            A CARTA DE ROGÉRIO MONTEIRO

BAIANO BOM DE FIBRA, BOM DE CUCA E CORAÇÃO
"Escuta, Edélsio, eu não me ligo nesse negócio de ficar escrevendo cartinhas, mas resolvi uma exceção para levar até vocês - editores de uma das poucas fontes de informação "legíveis" do país - meu protesto pela bundamolice que foi a entrevista "Quatro Histórias do Nosso Tempo" (Pasquim 422). Digo isso porque conheço bem a obra do gaúcho Caio Fernando Abreu e garanto que ele sozinho teria condições de dar um recado melhor nas quatro páginas gastas com a matéria. Dos demais participantes, conheço apenas os trabalhos apresentados no livro editado pela Codecri. Mas acredito que teriam muito mais a dizer e só não o fizeram por serem cortados, agredidos e, principalmente, condicionados pelos entrevistadores (destaque para aquela besta do Cícero Sandroni) a colocar todo papo no plano político direto. Acho que vocês estão velhos e... "ROGÉRIO MONTEIRO" (Salvador (?) BA (?))
Concurso de Contos, "Rogério Monteiro", não é aqui, não. E qualquer tentativa de colocar qualquer papo em qualquer tipo de plano político direto é sempre saudável. "Rogério Monteiro", "você" acha que eles foram agredidos, é? Antes sesse. Ao menos assim poderiam, na base do pau, aprender algumas coisa que não fosse ler livrinho ou revistinha estrangeira. Vá emborgear um cortázar, "Rogério Monteiro". E teu sotaque, além do mais, é de Minas, nunca da Bahia. Te Flagrei, boneco!!!



Nenhum comentário:

Postar um comentário