terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

São Paulo, 40 graus



                                             Ai, quem me dera uma palmeira,

                                             um mico na bananeira. Quem me 

                                             dera um marzão azul e besta....


Domingo de sol, céu azul em Sampa, verão explícito no ar. Apartamento-jaula para quem não saiu da cidade, nem tem piscina ou banheira. Não há disco, nem livro ou papo telefônico que satisfaça. Não há Tutty Vasquez que refresque. Moleza baiana no corpo, janelas escancaradas para aquela estupidez de saúde lá fora. Inútil clamar aos quatro ventos radicalidades tipo “nunca tive um temperamento tropical”. Trópico ardente (Câncer ou – raios” – Capricórnio?) na cabeça, rua Augusta afora.


Fantasia impossível: por que não desapropriam Santo Amaro, por exemplo, e fazem um mar? Eu disse: um MAR, que nem Chica da Silva. Vou escrever uma carta para o prefeito, levantar abaixo-assinado, desaproprie Santo Amaro, a avenida Santo Amaro só vai fazer falta para quem mora lá. Brisa fresca de repente numa esquina da Oscar Freire, cheiro ilusório de sal. Os darks foram varridos das ruas – e agora (Wilson) José? Passam blusinhas vermelhas, bermudas amarelas, minissaias verdes, frentes-únicas roxas e laranjas. Vontade de a vida ser igual à capa daquele velho disco de Cat Stevens, lembra? Vontade de estar dentro de um filme de David Neves, não de Carlos Reichembach. Vontade de ser uma letra de música de Evandro Mesquita, não de Itamar Assumpção. Horror supremo: ser um pagode com Beth Carvalho. Mas COM MAR. A paulistanice adotiva, mas orgulhosa, balança e dança no suspiro: ah, o Rio de Janeiro.

Invocado o Rio de Janeiro, dois amigos meio-cariocas me arrastam para o teatro. E eu tenho medo: não, por favor, teatro – teatro com texto, com marcação, drama & muita emoção rolando solta – pelo amor da sacerdotisa Viviane, ainda por cima neste calor. N-Ã-O. São irrecusáveis: A Síndrome do Super-Homem, puro bobajol, Me deixe seduzir, além do mais adoro a Iara Jamra. Táxis sofridos, suarentas corridas, malhados taxímetro: não está mais em cartaz. Por que, com mil graus Farenheit, os grupos teatrais só avisam os jornais quando entram em, e não quando saem de cartaz? Iara Jamra, preciso ver A Síndrome!

Estonteados pelas vielas do Harlem – digo, Bixiga. Voltar para casa? Nem pensar. Então, a cilada. Não posso citar nomes, não insistam, de saída jpa deixo claro que não vou entregar ninguém. Afinal, fazer teatro aqui é barra pesada, o pessoal tá cheio de boas intenções, mas não tem grana. Brasil, você sabe, tudo na raça, brava gente. Vamos assistir a uma, digamos, unanimidade de underground. Ai, como eles gritam. Por que ator brasileiro precisa dar o texto tão gritado e rápido? Por que com dem mil-fornos-micro-ondas, o ator brasileiro fica tão preocupado em atuar? Meu guia, me manda uma Maria Adelaide Amaral, um Naum Alves de Souza, uma Marilia Pera na próxima temporada, porque não suporto mais teatro feito como se nunca tivessem existido os Sex Pistols, o Plano Cruzado, a Laurie Anderson, o Reinaldo Moraes, o Pod Minoga, a Aids ou o Olhar Eletrônico. Cadê o contemporâneo no teatro brasileiro? Me avisem, que eu não encontro.

Chopes no Longchamp, lua de neón nessa inutilidade de céu limpo estrelando sobre Sampa. Ai, quem me dera uma palmeira, um palmo de areia. Ai, quem me dera um sagui na bananeira. Ai, quem me dera um horizonte de marzão besta pra gente deitar olho na linha do horizonte e não pensar em nada. Nada de nádaras, horas a fio. Ai, que preguiça...

Karma de paulistano é imaginar o Rio de Janeiro em janeiro. Fevereiro também. Mas logo chega março, e ficaremos inteligentes, criativos & vanguardistas outra vez. Questão apenas de competência, companheiros, como diria o Piva. Resista daí, você que também não tem férias, que eu resisto daqui. Amanhã de manhã bem cedo passo numa agência de turismo e pego uns folhetos turísticos do Havaí. Só para me abanar. E não me exijam profundidades abissais com esse calorão. Este singelo canteirinho de abóboras é o máximo que consigo hoje. Quero meu leque.

                             OESP – Caderno 2 – Verão 1987

6 comentários:

  1. Como vocês sabem que o texto é dele, seus porcarias?

    ResponderExcluir
  2. Seu comentário é tão gentil que merece resposta. Como saber que o texto é do Caio Fernando Abreu? Então, foi publicado na coluna que ele teve durante anos no Estadão. E a foto da abertura desse post, inclusive, é a da abertura da coluna.

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Hola, concisas y precisas letras desnudan implacablemente la germinal pueraza de este blog, si te va la palabra encadenada, la poesía, te espero en el mio,será un placer,es,
    http://ligerodeequipaje1875.blogspot.com/
    gracias, pasa buen día, besos reales..

    ResponderExcluir
  5. Primeira vez que entrei e apaixonei no site!!! Vai já pros favoritos!!!!
    Parabéns

    ResponderExcluir